É possível desenvolver massa muscular com exercícios e alimentação adequada, mas ter corpos como o do Hulk ou do Capitão América depende do uso de substâncias que apresentam diversos efeitos colaterais
É possível desenvolver massa muscular com exercícios e alimentação adequada, mas ter corpos como o do Hulk ou do Capitão América depende do uso de substâncias que apresentam diversos efeitos colaterais
CRÉDITO: DIVULGAÇÃO
Você provavelmente já se deparou com algum vídeo do nutricionista Rodrigo Góes, ou pelo menos já escutou alguém usando expressões como “fake natty”, “look at him”, ou “shape aesthetic”.
O influenciador se tornou um fenômeno na internet em pouco tempo, alcançando milhões de visualizações e seguidores. Seu jeito muito particular de falar e o constante uso de termos em inglês (sempre com uma pronúncia impecável) o transformaram em uma máquina de bordões.
Em seus vídeos, Góes analisa o corpo de celebridades musculosas para tentar descobrir se elas conquistaram esse físico de forma natural, com dieta e exercícios, ou se fizeram uso de esteroides anabolizantes (ou “suco”, como ele denomina). E é com seu martelo de juiz que ele anuncia seu veredito, que pode ser natural ou fake natty (falso natural).
Depois de assistir a tantos vídeos do Góes, surgiu uma dúvida: será que os super-heróis musculosos conquistaram seus ‘shapes’ de forma natural, ou eles se entregaram ao ‘suco’? Será que eles são naturais ou são fake natty?
Se você é um leitor assíduo da Ciência Hoje, já sabe que se formos expostos a altas doses de radiação gama não vamos ficar com o físico do Hulk, como aconteceu nos quadrinhos com Bruce Banner. Mas será que é possível chegar ao tamanho desse super-herói com uma boa dieta e muito exercício físico?
Seja por pressões sociais, seja por escolha própria, muitas pessoas se esforçam e investem tempo e dinheiro para perder gordura corporal e ganhar músculos. Como funciona esse processo?
Os nossos músculos são tecidos responsáveis pelo movimento no nosso corpo, tanto voluntário (como o ato de levantar um peso) quanto involuntário (como os batimentos do coração).
A partir de estímulos vindos do nosso sistema nervoso, os músculos podem ser tensionados e se contraírem, podem ser distendidos e aumentar de tamanho, como também podem voltar ao tamanho original. É justamente essa mobilidade que nos torna capazes de nos movimentarmos e fazermos força.
As células musculares são bastante plásticas e respondem às necessidades do nosso organismo. Se formos muito sedentários e utilizamos pouca força, esse tecido tende a se atrofiar para poupar energia. Por outro lado, se formos muito ativos e fizermos muita força, essas células podem crescer muito, chegando a abrigar milhares de núcleos celulares.
Quando fazemos muita força e utilizamos o nosso músculo de forma mais intensa, provocamos pequenas lesões nesse tecido. Para reparar essas lesões, as células-tronco presentes no nosso músculo (chamadas de ‘células satélites’) se multiplicam e se unem às células já existentes, criando novas fibras musculares e aumentando de tamanho.
Para que esse processo ocorra da maneira correta e saudável, existem três critérios fundamentais. O primeiro deles é a prática regular de atividade física para provocar essas pequenas lesões nos músculos. O segundo critério é uma alimentação adequada, pois é dela que o corpo irá tirar os nutrientes necessários para recompor o tecido muscular. E o terceiro critério é o período de descanso, que é quando o corpo sofre o processo chamado anabolismo muscular, em que ele reconstrói e remodela o tecido. É justamente no descanso que o músculo cresce, e não no momento de se exercitar.
Quando saímos do extremo sedentarismo e começamos uma atividade, os primeiros resultados no nosso corpo vêm rápido, principalmente quando a alimentação também é feita de forma adequada.
Quanto maior vai ficando nosso músculo, mais difícil é para aumentá-lo, pois necessitamos de gerar estresses cada vez maiores, pegando cargas mais pesadas e realizando treinos mais intensos.
Por causa dessa crescente dificuldade em evoluir o ‘shape’, podemos dizer que existe um limite, um tamanho máximo que nossos músculos conseguem chegar de forma natural, ou seja, apenas com treino e alimentação adequada.
Tanto a velocidade de crescimento dos músculos quanto o limite de tamanho que eles podem atingir são totalmente individuais, pois dependem de fatores como a idade, o sexo biológico e a genética.
Além disso, existe uma proteína que é produzida nos nossos músculos e circula no nosso sangue chamada miostatina. Ela age sobre o tecido muscular inibindo seu crescimento. O aumento de miostatina no sangue pode dificultar o processo de hipertrofia. Assim, se o gene responsável pela produção da miostatina sofre uma mutação e passa a produzir quantidades menores dessa proteína, a pessoa pode ter maior facilidade de ganhar músculos.
Esse efeito da ausência de miostatina já foi observado em vários estudos com camundongos e bovinos, levando os animais a desenvolverem músculos enormes, mesmo sem atividades físicas intensas.
Estudos vêm mostrando que é possível reduzir a concentração dessa proteína no nosso corpo através de atividades físicas (principalmente aeróbicas). A testosterona, hormônio produzido principalmente por homens nos testículos, possui o mesmo efeito. Por outro lado, algumas doenças e alimentação inadequada (ou em quantidades insuficientes) podem provocar aumento da miostatina no sangue, dificultando o ganho de músculos.
Certo, sabemos que existem fatores que nos impedem de crescer indefinidamente. Como, então, poderemos atingir um físico similar ao do Hulk? O que um fisiculturista pode fazer quando seu corpo atinge um limite de crescimento?
Existem diversos remédios capazes de aumentar drasticamente nossa performance em exercícios. No universo do fisiculturismo, os que mais são utilizados são aqueles do grupo dos esteroides anabolizantes. Os anabolizantes são compostos sintéticos que agem da mesma forma que a testosterona no nosso organismo.
Produzida majoritariamente nos testículos, a testosterona é um hormônio que afeta diversas partes do nosso corpo, principalmente o dos homens (onde a sua concentração é muito maior do que nas mulheres).
Uma das ações da testosterona é se ligar às células musculares estimulando-as a se multiplicarem e, com isso, promovendo aumento dos músculos. A testosterona também provoca aumento da densidade óssea, aumento da libido, crescimento de pelos, crescimento da próstata, além de afetar várias atividades metabólicas, como a produção de hemácias e hemoglobina, o metabolismo de lipídios e carboidratos.
Por motivos de doenças, por condições genéticas ou mesmo por idade, algumas pessoas produzem quantidades baixas de testosterona no organismo. Daí a importância dos anabolizantes, para compensar essa ausência de maneira artificial.
Mas muitas pessoas saudáveis, que não precisam dessa reposição hormonal, fazem uso desses medicamentos. Os anabolizantes fornecem um enorme ganho de músculos, de força, de disposição, de energia. Alguns usuários dessas substâncias afirmam se sentirem quase como super-heróis. E muito rapidamente seus corpos atingem tamanhos que jamais atingiram de forma natural.
Os anabolizantes são quase como o composto V, da série The Boys, ou o soro do supersoldado, que transformou o jovem magricelo Steve Rogers no poderoso Capitão América.
Certamente, se Rodrigo Góes fosse analisar o shape do incrível Hulk ele não pensaria duas vezes antes de anunciar: ‘fake natty’. Alguns corpos, como o de muitos super-heróis, são inalcançáveis de maneira natural.
Certamente, se Rodrigo Góes fosse analisar o shape do incrível Hulk ele não pensaria duas vezes antes de anunciar: ‘fake natty’. Alguns corpos, como o de muitos super-heróis, são inalcançáveis de maneira natural
Mas se ‘o suco’ é tão poderoso, porque não damos a todas as pessoas para elas ficarem mais fortes e dispostas?
Quando uma pessoa faz uso desses remédios, a quantidade de hormônio em seu corpo passa a ser tão grande, que os músculos se tornam incapazes de absorvê-los. Por isso, o excesso dessa substância começa a ser absorvida por outros órgãos. E é aí que os diversos efeitos colaterais indesejados começam a surgir.
Nos homens, os possíveis efeitos colaterais são a diminuição do esperma, calvície, crescimento irreversível das mamas, crescimento de pelos e impotência sexual. Já as mulheres poderão experimentar o engrossamento da voz, crescimento de pelos, redução dos seios, irregularidade das menstruações. Além disso, ambos poderão sofrer com tremores, acne severa, dores nas juntas, aumento da pressão sanguínea, tumores, distúrbios em diversos órgãos, aumento da agressividade e do comportamento violento.
O nutricionista Rodrigo Góes afirma em entrevistas que, apesar da brincadeira de julgar se as celebridades são naturais ou não, seu principal objetivo é alertar as pessoas sobre os perigos dos anabolizantes, ‘é uma campanha antidrogas’, como ele afirma.
Ele, que é fisiculturista natural e já utilizou anabolizantes no passado, afirma que o uso de anabolizantes costuma ser um caminho sem volta e que não tem nenhum amigo que conseguiu parar de usar.
Os especialistas afirmam que parte desses efeitos até podem ser minimizados com o devido acompanhamento médico, mas eles também costumam ser bem taxativos ao dizer que não há dose segura de anabolizantes para pessoas que não precisam deles.
Não à toa, em abril de 2023 o Conselho Federal de Medicina determinou que os médicos estão proibidos de receitar anabolizantes com finalidade estética, para ganho de massa muscular e para melhora do desempenho esportivo, já que o risco que essas substâncias oferecem à saúde é muito grande e seus efeitos colaterais podem ser irreversíveis e até letais.
O Conselho Federal de Medicina determinou que os médicos estão proibidos de receitar anabolizantes com finalidade estética, para ganho de massa muscular e para melhora do desempenho esportivo, já que o risco que essas substâncias oferecem à saúde é muito grande e seus efeitos colaterais podem ser irreversíveis e até letais
Desenvolver músculos, ficar mais forte, reduzir a quantidade de gordura no organismo, são imposições sociais de um padrão estético ou, de fato, possuem algum benefício para nós?
Vários estudos vêm mostrando correlações entre quantidades maiores de massa muscular e maior densidade mineral óssea (o que significa mais força para os ossos), menor ocorrência de diabetes, maior facilidade de gasto calórico, redução dos níveis de colesterol, menor risco para uma série de doenças.
Por outro lado, pessoas com menores quantidades de massa muscular (mesmo jovens e aparentemente saudáveis) têm mais chances de morrer por qualquer causa, de desenvolverem doenças metabólicas e cardiovasculares e de apresentarem resultados negativos em diversos tipos de tratamento de saúde.
Alguns pesquisadores vêm afirmando que a massa muscular deve ser considerada um sinal vital, assim como a pressão sanguínea, os batimentos cardíacos.
Por isso, você não precisa (e nem deve) se entregar ao ‘suco’ e comprometer sua saúde para o resto da vida para ganhar um físico de super-herói. Mas, certamente, praticar atividades de força (associada a alimentação e descanso) e desenvolver esse incrível tecido do nosso corpo não apenas vai te deixar com um ‘shape mais aesthetic’ como vai melhorar expressivamente sua saúde, atual e futura.
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