Jogos eletrônicos podem causar dependência e estar associados a comportamentos agressivos, mas também promovem interações sociais e permitem o desenvolvimento de diferentes habilidades entre os jogadores
Jogos eletrônicos podem causar dependência e estar associados a comportamentos agressivos, mas também promovem interações sociais e permitem o desenvolvimento de diferentes habilidades entre os jogadores
CALL OF DUTY_DIVULGAÇÃO
Não é de hoje que os jogos têm uma enorme importância para o ser humano. Registros históricos e arqueológicos nos mostram que já na Grécia Antiga, berço das Olimpíadas, praticava-se tanto jogos de tabuleiro quanto diversos esportes.
Com a popularização dos computadores pessoais, dos videogames e smartphones, os jogos eletrônicos ganharam força e passaram a ser um dos principais meios de entretenimento de uma enorme parcela de brasileiros.
Em 2022, a Pesquisa Game Brasil detectou que 74,5% dos brasileiros têm o hábito de jogar jogos digitais, sendo 51% mulheres e 49% homens. E engana-se quem pensa que só jovens gostam de jogar. Quase um quinto dos jogadores (19%) tem idade igual ou superior a 40 anos, embora o maior público esteja concentrado na faixa dos 16 aos 29 anos.
Diante da vastidão de jogos eletrônicos e do expressivo aumento de jogadores, algumas questões importantes começam a surgir: jogos podem causar dependência? Jogos podem deixar as pessoas mais agressivas ou violentas? Jogos podem trazer benefícios?
Para escrever este texto, além de buscar respostas na ciência, eu visitei a Brasil Game Show, uma das maiores feiras de jogos da América Latina, e conversei com várias pessoas. Uma delas foi o criador de vídeos Bruno Rataque, que utiliza seu canal no YouTube (com quase um milhão de inscritos) para contar histórias de jogos e jogadores a partir de suas experiências, observações e estudos.
Nos últimos anos, o chamado ‘transtorno de jogos eletrônicos’ foi incluído no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) pela Associação Americana de Psiquiatria e na 11ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11) pela Organização Mundial da Saúde.
Na prática, isso significa que, a partir de agora, uma pessoa pode ser diagnosticada como portadora desse transtorno e receber um tratamento mais direcionado. Além disso, passa a se construir uma estatística de quantas pessoas no mundo têm esse transtorno.
Por experiência própria e por suas observações, Bruno Rataque conta que há pessoas que realmente perdem o controle ao se viciarem em um jogo, a ponto de ignorar outras partes da vida. Atividades como estudar, trabalhar, comer e tomar banho perdem espaço para os jogos e qualquer impossibilidade de jogar gera estresse e irritação.
Rataque também explica que, em algumas circunstâncias mais extremas, os jogos podem se tornar uma ‘prisão não satisfatória’. Embora as partidas possam gerar experiências ruins, provocando sentimentos de raiva e angústia, os jogadores continuam jogando com frequência, na constante busca por um prazer que um dia sentiram com aquele jogo.
Apesar de algumas divergências quanto ao diagnóstico, as pesquisas científicas concordam que existem pessoas com dependência em jogos, que podemos detectar essa dependência a partir de sintomas específicos e que essa condição provoca uma enorme perda de qualidade de vida e diversos problemas nas esferas pessoal, profissional e familiar.
Se você possui um grau avançado de vício em jogos, o primeiro passo é reconhecer o problema e se perguntar se você é capaz de superá-lo por conta própria ou se precisa de ajuda (de amigos, parentes ou de profissionais).
O DSM-5 elenca nove sintomas relacionados ao transtorno de jogos que muito se assemelham à condição de prisão não satisfatória descrita pelo youtuber Bruno Rataque. Você pode tentar identificar esses sintomas por meio de perguntas:
A boa notícia que a OMS nos traz é que esse transtorno ocorre em uma pequena parcela dos jogadores, o que indica que é perfeitamente possível jogar de maneira saudável. Ou seja, não é preciso abandonar os games, apenas se atentar a qualquer sinal que indique que eles estão lhe fazendo mal e trazendo problemas para sua vida.
Os Estados Unidos são famosos pelos tiroteios em massa, que muitas vezes são realizados por jovens dentro de escolas. No Brasil, infelizmente também há ocorrências desse tipo. É evidente que esses eventos trágicos são provocados por múltiplos fatores e têm raízes muito profundas em uma sociedade cheia de feridas sociais. Lidar com esses problemas complexos é muito mais difícil do que forjar um vilão e culpá-lo, esvaziando o debate sobre as reais causas da violência. Quando se trata de tiroteios em escolas, o bode expiatório preferencial costuma ser o jogo.
O combate aos jogos não é recente. Ao longo da história, foram várias as tentativas de se regulamentar a venda de jogos, proibir a comercialização de alguns títulos e instituir um pânico moral em torno dos jogos, como se eles fossem os grandes responsáveis pela violência do mundo.
Mas o que diz a ciência sobre isso? Até o momento, muitos estudos investigaram essa questão. Vários anos de pesquisa científica levaram a Associação Americana de Psicologia a declarar que não há evidências científicas suficientes para apoiar uma ligação causal entre jogos violentos e comportamento violento.
A ex-presidente da associação, Sandra Shullman, afirmou que a violência é um problema social complexo que provavelmente decorre de muitos fatores e culpar os videogames não é cientificamente sólido e desvia a atenção de outros fatores.
Algumas pesquisas apontam para pequenas correlações entre jogos violentos e alguns comportamentos mais agressivos em crianças, como o de gritar e empurrar. Mas há estudos que sugerem que esses comportamentos agressivos se devem mais à competitividade provocada pelos jogos e à derrota do que à própria violência dentro do jogo. E, mesmo assim, esse comportamento um pouco mais agressivo é muito diferente de práticas de extrema violência.
O VRChat é uma plataforma social que permite que os usuários criem avatares e mundos tridimensionais e interajam uns com os outros por meio de óculos de realidade virtual
Houve um tempo em que os jogos eletrônicos eram majoritariamente off-line, o que significa que ou o jogador jogava sozinho, ou jogava com alguém que estava no mesmo ambiente físico que ele.
Com a popularização da internet e a evolução dessa tecnologia, os jogos tornaram-se ambientes virtuais capazes de receber dezenas ou centenas de jogadores simultâneos de vários lugares diferentes (e até de outros países).
Uma pessoa que joga um MMORPG (ou seja, um jogo online de interpretação de personagens) tem a oportunidade de interagir com outras pessoas, por texto ou por voz, sem que haja um contato e uma exposição física.
Pesquisas que investigaram jogos de MMORPG mostraram que esses jogos podem aumentar a motivação de alunos para aprender uma segunda língua, além de afetar positivamente as habilidades de socialização e sua confiança no uso da língua inglesa.
Em minha conversa com Bruno Rataque, ele destacou que uma interação social com presença física pode ser muito desafiadora para algumas pessoas. Já uma interação em que o rosto não é exposto e a pessoa está na pele de um personagem é um pouco mais fácil. Ele conta que conheceu um jovem com fobia social que não conseguia interagir no mundo físico, mas nos jogos conseguia.
Entusiasta da tecnologia de realidade virtual (RV), Rataque também apontou que os óculos RV podem ser um passo intermediário entre a socialização virtual e a física. A imersão proporcionada pelos óculos é tamanha que estimula sentimentos de presença; a pessoa sente que está lá. Para quem fica desconfortável com seu ‘eu real’ ou é estigmatizado na vida real, é possível usar as plataformas sociais de RV como forma de superar esses problemas.
E, de fato, há pesquisas mostrando que essa forte sensação de compartilhar o mesmo espaço físico que outras pessoas, por meio da RV, pode promover sentimentos de conexão social, de prazer, entre outras recompensas psicológicas.
Outros jogos, como Roblox e Minecraft, trazem grandes benefícios no que diz respeito a motivação, desenvolvimento da linguagem, aprendizado acadêmico em algumas disciplinas e desenvolvimento de habilidades sociais, além de serem capazes de despertar o interesse de jovens pelo universo da ciência, da computação e das engenharias.
Portanto, é muito importante evitarmos os dois extremos: de um lado, a negligência quanto aos problemas sérios causados pelo vício em jogos; do outro, a culpabilização dos jogos por problemas sociais complexos, como a violência.
Mais importante do que proibir (ou evitar completamente) os jogos é aprender a lidar com eles de maneira mais saudável, divertida e enriquecedora, porque, afinal, isso é o que eles têm a oferecer de melhor.
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murilo e guilherme
achei muito bom,
ass:guilherme
sinceramente muito legal:)
ass:murilo