A conquista do continente africano por países da Europa durante o imperialismo foi um processo que durou décadas e no qual regiões africanas foram progressivamente colocadas sob o controle direto ou indireto de alguma nação europeia. Mas pode-se dizer que a maior parte dessa divisão da África ocorreu entre a segunda metade do século 19 e o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914 – com especial aceleração a partir da década de 1880.
Nesse período, foi realizada, entre 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro do ano seguinte, a Conferência de Berlim. Esse evento diplomático, que envolveu nações da Europa, além de representantes dos EUA e do Império Otomano, está inserido em um contexto de intensificação das disputas imperialistas por regiões estratégicas do continente africano.
A ‘corrida para a África’ – especialmente, a partir das duas últimas décadas do século 19 – foi marcada por interesse crescente pelo rio Congo, e determinados acontecimentos impulsionaram as disputas por essa região.
De modo geral, até a década de 1880, apenas as regiões da costa do continente africano haviam sido ocupadas pelos europeus (figura 1). Um dos fatores que explicam a ausência europeia no interior da África é o desconhecimento ocidental em relação às condições físicas e humanas das regiões além do litoral.
Mesmo Portugal, que, pelo menos, desde o século 15 manteve contato com populações africanas ao sul do deserto do Saara, esteve, por séculos, praticamente restrito às regiões costeiras, com localidades pontuais no interior em que tinha um pequeno aparato administrativo. Apesar de tênue e frágil, essa presença na África antes do século 19 foi usada como argumento pelos portugueses para reivindicar importantes regiões em disputa durante o imperialismo.
Algumas das principais vias de acesso ao interior do continente africano eram seus rios, e, nesse sentido, as redes fluviais eram objeto de especial interesse por parte das nações europeias na corrida imperialista. Partindo desse princípio, eventos ocorridos a partir das últimas décadas do século 19 são considerados, por muitos historiadores, fundamentais para explicar a rivalidade da qual foi alvo a região central da África – mais especificamente, a região da bacia do rio Congo.
Em primeiro lugar, em 1880, Pierre Savorgnan de Brazza (1852-1905), explorador de origem italiana vinculado à Marinha francesa, assinou, com o rei Makoko (1820-1892), chefe dos batekês, acordo no qual o soberano africano concordava em ceder seu território à França. A assinatura desse tipo de tratado entre europeus e africanos não era novidade, mas, à diferença daqueles firmados anteriormente, esse foi ratificado pelo governo da França, em 22 de novembro de 1882, o que pôs em alerta as demais nações da Europa em relação à importância dada a ele pelo estado francês.
Bem antes da assinatura desse tratado – desde, pelo menos, a Conferência Geográfica de Bruxelas, em 1876 –, o rei Leopoldo II (1835-1909), da Bélgica, já demonstrava interesse em obter uma colônia em território africano. Agindo em seu nome, o famoso explorador britânico Henry Morton Stanley (1841-1904) assinou centenas de tratados com chefes africanos. Uma consequência da assinatura desses acordos foi o fato de que “em 1883, Leopoldo havia claramente passado à frente da França na corrida pelo Congo”, nas palavras do historiador holandês Henk Wesseling (1937-2018), autor do livro Dividir para dominar: a partilha da África 1880-1914.
Em 1884, Portugal obteve dos britânicos o reconhecimento de sua soberania sobre todo o estuário do Congo, no que ficou conhecido como tratado anglo-português. Alvo de críticas e protestos, esse acordo não chegou a ser ratificado pelo parlamento britânico, mas sinalizou quais eram reivindicações lusas em relação ao que os portugueses consideravam seus direitos históricos à embocadura do Congo e chamou a atenção para os acordos bilaterais que estavam sendo feitos entre as nações europeias.
Diante desse panorama de crescentes iniciativas na região central da África, o chanceler alemão Otto von Bismarck (1815-1898) – que, inicialmente, hesitou em inserir a Alemanha no grupo de países que disputavam territórios coloniais – decidiu, em conjunto com o governo francês, organizar uma conferência em Berlim para tratar de assuntos relevantes naquele momento – em especial, para definir as formas de regulação das navegações fluviais.
Alemanha e França, de forma conjunta, decidiram previamente quais seriam os três pontos que iriam nortear os debates em Berlim: a liberdade de comércio na bacia e no estuário do rio Congo; a liberdade de navegação nos rios Congo e Níger; e as formalidades que deveriam ser cumpridas para que novas ocupações na costa da África fossem consideradas efetivas.
Pela ata geral da Conferência de Berlim, redigida ao final do encontro, ficou estabelecido que as embarcações com fins comerciais, sem distinção de nacionalidade, teriam livre acesso ao território compreendido pela bacia do Congo e seus afluentes. Essa determinação teve por objetivo impedir a criação de monopólios ao longo de um dos principais rios da África e garantir que as mercadorias que circulassem pela região estivessem isentas de taxas de entrada.
A ata também consagrou o princípio de liberdade de navegação no rio Congo e Níger. Dessa forma, a circulação de navios comerciais ou de transporte de passageiros permaneceria inteiramente livre. Mas, apesar de estabelecer para os dois rios as mesmas regras de liberdade, havia uma diferença fundamental entre eles. Para o Congo, seria instituída uma comissão internacional encarregada de assegurar o cumprimento das determinações da ata. Para o Níger, onde o Reino Unido já tinha domínio de regiões antes da conferência, não haveria um órgão internacional responsável por garantir a execução das decisões do encontro.
Os representantes europeus reunidos em Berlim também definiram as regras de legitimação para as futuras anexações nas costas do continente africano. A partir daquele momento, para que novas possessões ou protetorados fossem considerados efetivos, seria necessário o envio de notificação aos demais países signatários da ata, para viabilizar possíveis reivindicações.
Ponto que vale ser destacado sobre as futuras anexações é a delimitação espacial feita pelos representantes europeus. O artigo da ata referente a elas trata apenas das regiões costeiras do continente africano. Isso indica que as deliberações sobre futuras ocupações não teriam validade para todo o continente, deixando de fora as regiões do interior. Esse fato não só refuta as interpretações que atribuem à Conferência de Berlim o papel de partilhar o continente africano, mas também põe em perspectiva as análises segundo as quais esse encontro teria criado as bases para sua futura divisão, pois os critérios de tomada de posse definidos em Berlim não valeriam para todo o continente.
O tráfico de escravos – outro tema debatido pelos delegados presentes em Berlim – aparece de forma superficial no documento final do encontro, no qual apenas um parágrafo é dedicado à questão. Segundo o artigo 9 da ata geral, as nações que exerciam ou passassem a exercer soberania ou influência nos territórios que compreendiam a bacia convencional do rio Congo deveriam proibir que essas regiões fossem usadas como mercado ou via de trânsito para o tráfico de escravos.
Elemento que chama a atenção naquele artigo é a restrição do alcance de sua aplicação. A proibição do tráfico – pelo menos, a partir das determinações da ata da conferência – não seria extensiva a todo território africano, mas ficava limitada ao entorno do rio Congo. Nesse sentido, o pouco espaço reservado a esse tema está em desacordo com o lugar que a questão humanitária ocupava na retórica imperialista, sendo esta uma das principais justificativas para as incursões coloniais.
Diante da discrepância entre a forma como a Conferência de Berlim é apresentada em materiais didáticos – e, até mesmo, em bibliografia especializada sobre o imperialismo – e o que de fato ficou estabelecido a partir do encontro, cabe questionar qual teria sido a origem do mito da partilha de Berlim. Nesse sentido, no livro A partilha da África Negra, o historiador francês Henri Brunschwig (1904-1989) apresenta hipóteses para o surgimento das interpretações equivocadas sobre a conferência.
A primeira constatação feita pelo autor se refere ao caráter tardio dessa atribuição de significado. Isso porque, até por volta da Primeira Guerra Mundial, os historiadores não colocavam a Conferência de Berlim em posição de destaque entre os acontecimentos mais significativos do imperialismo. Mesmo participantes do encontro diplomático, como o britânico Edward Malet (1837-1908), manifestaram descrença quanto à possibilidade de a ata alterar a situação preexistente em relação ao continente africano.
A partir do início do século passado, começaram a surgir, na França, trabalhos sobre o período imperialista segundo os quais a Conferência de Berlim teria consagrado a doutrina do hinterland. Com base nessa doutrina, a posse de um território no litoral dava direito às regiões do interior a determinada nação, a qual poderia recuar suas fronteiras de forma indefinida, até se deparar com uma possessão, zona de influência ou um estado vizinho.
Se aplicada ao continente africano, a doutrina do hinterland garantiria, a nações europeias, direito de propriedade sobre regiões do interior do continente, com base na posse de regiões do litoral – este último já praticamente ocupado por europeus, quando a conferência foi realizada. Portanto, na prática, essa doutrina poderia significar a divisão da África. Contudo, não há qualquer referência a esse princípio na ata geral de Berlim, o que torna equivocado dizer que a ocupação do litoral definiu a partilha do interior do continente.
Outro elemento que contribuiu para a consolidação da imagem da conferência foram as representações imagéticas produzidas ao longo do evento. Em 1884, o jornal francês L’Illustration publicou ilustração em que os representantes europeus estavam dispostos ao longo de uma mesa com um mapa da África ao fundo (figura 2). Esse tipo de imagem favorece a leitura de que todo o continente africano estava em debate na conferência e não apenas a região do Congo.
Em janeiro do ano seguinte, o mesmo periódico veiculou caricatura de Bismarck repartindo a África, como se esta fosse um bolo (figura 3), o que reforça a ideia de uma divisão sendo feita no encontro. Essa caricatura pode sugerir que, já em 1885, a conferência era lida como um tipo de partilha, ainda que, para confirmar essa hipótese, seja preciso estudo mais aprofundado das circunstâncias de sua elaboração.
Mesmo que seja possível sugerir caminhos que levaram à construção do mito da Conferência de Berlim, é difícil definir qual tenha sido o elemento determinante para que o evento ficasse conhecido como a partilha da África entre os países europeus. De qualquer forma, essa interpretação continua sendo erroneamente reproduzida em materiais sobre o imperialismo do século 19.
Considerando a importância atribuída à conferência a posteriori, é possível que grande parte do interesse que ela tenha suscitado esteja justamente relacionada à alteração de sentido pelo qual o evento passou ao longo do tempo.
Aline Barbosa Pereira Mariano
Programa de Pós-graduação em História,
Universidade Federal Fluminense
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ALFREDO
Texto tendencioso e eurocentrado, cita acordos com líderes Nativos. Quais são esses acordos? Quais lideres nativos? O próprio texto foca a penas na conferência de Berlim e nos interesses europeus.
Argumento fraco “Os europeus desejavam livre comércio na bacia do Congo? Quais foram as vantagens oferecidas aos povos Nativos?. Me admira ser aprovado para publicação com 2 referências.
Qual fonte africana foi utilizada? Que Colabore para ideia de mito da partilha da Africa??
Sete Tchuda Na Nhandja
Sobre essa conferência, quais foram as consequências dela para África.
A Alemanha não tem colônia em África porquê é que foi o anfitrião deste encontro?
Porquê é que os líderes africanos não tomaram parte?
Quais foram os benefícios desta reunião para África?
O que podemos aprender de bom desta conferência ou de mal.