Ferrugens do trigo e segurança alimentar

No século 18, o economista e estatístico britânico Thomas Malthus (1766-1834) já alertava o mundo para as consequências do rápido crescimento populacional e para a questão da segurança alimentar. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a segurança alimentar existe “quando todas as pessoas, em todos os momentos, têm acesso físico, social e econômico a uma alimentação suficiente, segura e nutritiva, que atenda às suas necessidades dietéticas e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável”.

Dados da FAO revelam que a população mundial mais que duplicou entre 1961 e 2007 e deverá crescer dos quase 7 bilhões de pessoas atuais para 9,1 bilhões em 2050. Diante desse cenário, certo alarmismo malthusiano voltou a ecoar fortemente em todo o mundo: como todas essas bocas serão alimentadas?

A segurança alimentar mundial dependerá do aumento na produção das três principais culturas de cereais: trigo, arroz e milho

A segurança alimentar mundial dependerá do aumento na produção das três principais culturas de cereais: trigo, arroz e milho. O trigo, no entanto, pode ser considerado a mais importante para a alimentação da população mundial. Cultivado por comunidades humanas desde tempos pré-históricos, é atualmente a principal fonte de calorias em mais de 80 países (inclusive o Brasil), o que corresponde a cerca de 30% da população mundial.

Embora dados da FAO indiquem que a safra global de trigo em 2010 foi a terceira maior já registrada, repentinas interrupções na oferta agitam os mercados, o que torna o cenário econômico e social instável. Exemplo disso foi a longa estiagem de 2010 na região em torno do mar Negro – na Rússia, na Ucrânia e no Cazaquistão. Essa região produz atualmente cerca de 30% do trigo comercializado no mundo, suprindo a maior parte da demanda mundial.

Na época, a Rússia anunciou que perderia cerca de um quinto da sua safra devido à seca e ao calor e impôs restrições às exportações, que se estenderam até julho de 2011. Em consequência, surgiram sinais de inquietação em regiões que importam o trigo russo, como em Moçambique, onde, em setembro de 2010, confrontos provocados em parte por um aumento brusco de 30% no preço do pão resultaram em 13 mortos e centenas de feridos.

Assim como as alterações nos padrões climáticos, como a estiagem na região do mar Negro, a ocorrência de doenças em níveis epidêmicos nas culturas do trigo, arroz e milho representa igualmente um fator de risco para a estabilidade da produção mundial de alimentos.

Fungos patogênicos

As ferrugens dos cereais são causadas por fungos basidiomicetos da família Pucciniaceae (ordem Uredinales), que inclui 17 gêneros e cerca de 4.100 espécies – a maioria pertence ao gênero Puccinia. Esses organismos são parasitas obrigatórios, ou seja, se desenvolvem apenas em plantas vivas.

Os sintomas da doença são lesões elípticas, denominadas ‘pústulas’, resultantes do desenvolvimento dos fungos dentro dos tecidos da planta. O ‘invasor’, após infectar a planta, passa a produzir esporos unicelulares de cor alaranjada (chamados uredosporos) que, ao romper a epiderme do vegetal, formam as lesões típicas da doença. Esses esporos são muito leves e facilmente dispersos a longas distâncias pelo vento, disseminando a doença.

Ferrugem do trigo
A ferrugem do trigo caracteriza-se pelo aparecimento de lesões elípticas, denominadas ‘pústulas’, resultantes do desenvolvimento dos fungos dentro dos tecidos da planta. (foto: M.S. Chaves/ Embrapa)

No final do ciclo da cultura, quando a planta atinge a maturidade, o fungo passa a produzir outro tipo de esporo no lugar dos uredosporos. Esses novos esporos (denominados teliosporos) são bicelulares e têm coloração marrom-escura, em função de suas espessas paredes celulares. Essa característica confere cor negra às lesões, que nesse caso recebem o nome de ‘télias’.

As espécies de fungos responsáveis pelas ferrugens apresentam diferentes formas fisiológicas, chamadas de ‘raças’. O que define uma raça é sua capacidade de infectar de modo diferenciado as variedades de cada espécie de cereal – isso significa que uma raça do fungo pode causar doença na variedade A de um cereal, mas não nas variedades B ou C, enquanto outra raça poderá infectar a variedade B (e nenhuma das outras).

Há três tipos de ferrugens do trigo, causadas por espécies diferentes de fungos

As variedades (do trigo, por exemplo) utilizadas nas plantações são, em geral, resistentes às várias raças do fungo no momento em que são lançadas pelos programas de melhoramento genético, mas, como esses organismos têm alta capacidade de mutação, uma raça pode sofrer uma alteração genética que a torne capaz de infectar uma variedade anteriormente imune.

Há três tipos de ferrugens do trigo, causadas por espécies diferentes de fungos do gênero Puccinia: i) ferrugem da folha, causada por P. triticina; ii) ferrugem do colmo (o caule das gramíneas), causada por P. graminis f. sp. tritici; e iii) ferrugem linear, causada por P. striiformis f. sp. tritici – a abreviatura f. sp. significa formae specialis (forma específica), e indica qual espécie (no caso, trigo) é infectada pelo organismo citado.

Embora a ferrugem da folha e a linear infectem preferencialmente as folhas, enquanto a ferrugem do colmo ocorra em geral nessa área da planta, os três tipos da doença podem afetar qualquer parte verde do trigo, se as condições ambientais forem propícias ao desenvolvimento da doença e se a variedade cultivada do cereal for muito suscetível. No Brasil, atualmente, apenas a ferrugem da folha tem ocorrido em níveis epidêmicos nas lavouras de trigo.

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Márcia Soares Chaves
Centro Nacional de Pesquisa de Trigo,
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
Nageli Pereira de Almeida
Curso de Ciências Biológicas, Universidade de Passo Fundo,
e Centro Nacional de Pesquisa de Trigo (iniciação científica),
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)

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