Coleções de Pokémons da vida real

Virologista e doutorando em genética e biologia molecular
Universidade Estadual de Campinas

Com contribuição de:
Físico e divulgador de ciência no canal Ciência Nerd
Universidade Federal de Juiz de Fora

Assim como no famoso desenho, coletar espécies na natureza é fundamental para conhecer suas características. Museus e zoológicos são espaços importantes para abrigar, estudar e conservar a biodiversidade

CRÉDITO: DIVULGAÇÃO

Você com certeza já ouviu falar de Pokémon, a famosa franquia de jogos e animes lançada no final da década de 1990. A história acompanha a jornada do menino Ash Ketchum, de 10 anos, em busca do seu sonho de se tornar um mestre Pokémon. Ao lado de seu monstrinho Pikachu, Ash viaja o mundo capturando Pokémons e competindo em campeonatos.

Embora o nome Pokémon seja uma junção das palavras pocket monster (monstro de bolso, em tradução livre), vários desses monstrinhos são inspirados e se assemelham muito a animais do mundo real (como insetos, répteis, peixes, anfíbios e até mamíferos).

Para se sair bem nas batalhas, Ash precisa conhecer o máximo de monstrinhos possíveis. E um dispositivo de enorme utilidade é a Pokédex, uma espécie de enciclopédia digital, um banco de dados que reúne várias informações úteis sobre os Pokémons, desde tamanho, hábitos e categorias, até locais onde podem ser encontrados e sons que produzem.

Nos jogos, é necessário capturar um Pokémon para que sua Pokédex adquira informações sobre ele. Por isso, um dos principais lemas desses jogos é ‘temos que pegar’, se referindo a essa captura dos monstros.

Essa ideia de coletar seres vivos para estudá-los, compreendê-los e catalogá-los não é só coisa de ficção. O que são os museus senão uma grande Pokédex do mundo real?

Espaços de lazer e pesquisa

Estamos acostumados a pensar que os museus são apenas as coleções em exibição ao público, porém o trabalho nesses espaços vai muito além disso. Uma função importantíssima de muitos museus é abrigar uma coleção científica biológica, formada por exemplares da nossa rica biodiversidade. 

Essa coleção científica não é de acesso livre ao público, mas fica disponível para cientistas que queiram usá-la em suas pesquisas. Assim como a Pokédex, alguns cientistas, chamados de taxonomistas, são especializados em descrever e classificar espécies de plantas e animais, juntamente com botânicos, zoólogos e ecólogos.

A identificação e a descrição de uma nova espécie são feitas a partir da coleta na natureza de um indivíduo, que recebe o nome de holótipo, algo semelhante ao primeiro Pokémon capturado pela Pokédex e que serve como base de dados para os outros daquela espécie. O holótipo é muito especial, pois só existe um de cada espécie no mundo inteiro, e ele fica guardado no acervo de um museu reconhecido por sua capacidade científica, como o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, ou o Instituto Butantan, em São Paulo. É muito importante realizar o depósito desse exemplar em um museu com tradição científica, pois o holótipo será utilizado como referência por pesquisadores do mundo todo. Junto com esse indivíduo, podem ser guardados outros indivíduos da mesma coleta, que podem ajudar na descrição da espécie. Esse grupo é chamado de parátipo. 

Em casos extremos, quando o holótipo é perdido em um incêndio ou em algum outro tipo de catástrofe, é possível que um novo indivíduo seja catalogado como referência, ganhando o nome de neótipo (ver ‘O caso do dinossauro’).

O caso do dinossauro

CRÉDITO: ESPINOSSAURO, ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA

O espinossauro (Spinosaurus aegyptiacus) foi um dinossauro descrito pela primeira vez no início do século 20 por um grupo de pesquisa alemão, que armazenou o holótipo dessa espécie em um museu de Munique, na Alemanha. Durante um bombardeio em 1944, na Segunda Guerra Mundial, esse holótipo foi perdido e um neótipo para a espécie só foi descrito em 2014.

Além dos indivíduos ‘-tipos’ (e ainda existem muitos outros que não mencionamos aqui), os museus contam também com diversas amostras coletadas pelos cientistas ao longo dos anos, o que cria um banco de dados enorme para que novas pesquisas sejam feitas. Todo esse material possibilita que os cientistas trabalhem sem precisar viver viajando, como o Ash, para coletar novas amostras, além de facilitar o estudo das espécies a longo prazo. 

Manter holótipos da biodiversidade brasileira no Brasil também é muito importante para a nossa independência científica. Imagine ter que ir para outro país para conhecer um holótipo de uma espécie que existe aqui, mas que fica guardado na Europa! Nesse contexto, vale citar o exemplo do Museu Paraense Emílio Goeldi, que abriga nove holótipos de serpentes, 14 de lagartos, um de quelônio (grupo das tartarugas) e dois de anfíbios.

Por isso, os museus têm um papel muito mais relevante do que você pode imaginar. E investir na manutenção e na segurança deles é fundamental para que esses espécimes tão valiosos sejam preservados. Desastres como os incêndios do Instituto Butantan, em 2010, e do Museu Nacional, em 2018, provocam uma perda incalculável de diversas coleções e informações científicas coletadas ao longo de séculos, o que impacta diretamente a história e o futuro da pesquisa.

Muito além do safari

Panda na floresta

CRÉDITO: FOTO ADOBESTOCK

Outro tipo de instituição muito importante para a conservação e o estudo de espécies são os zoológicos. Muito conhecidos por aproximar o público de animais de diversas regiões do mundo, esses espaços também promovem a educação ambiental, que sensibiliza as pessoas para a importância da sustentabilidade e da proteção da biodiversidade.

Para além de lazer e educação, muitos zoológicos têm programas de conservação e recuperação de espécies ameaçadas de extinção e apoio a pesquisas científicas. Foi por causa das atividades de pesquisa e dos esforços de reprodução de espécies nos zoológicos que animais ameaçados como a ararinha-azul e os pandas conseguiram retornar à natureza. 

Em casos mais extremos, alguns zoológicos abrigam espécies que já foram extintas na natureza e existem apenas em cativeiro, como o milu, o mutum-do-nordeste e o sapo-de-wyoming.

Pode parecer um pouco perverso capturar animais vivos e prendê-los em cativeiro, assim como capturar um Pokémon e prendê-lo em uma Pokébola ou Pokédex. Infelizmente, existem zoológicos que funcionam em condições muito ruins e sequer deveriam existir. Mas são muitas as instituições sérias, como o Parque das Aves, em Foz do Iguaçu (Paraná), e a Fundação Parque Zoológico de São Paulo, que cuidam para que os ambientes sejam os mais adequados possíveis e que promovem o chamado ‘enriquecimento’ do espaço, para evitar ao máximo o estresse dos animais. Além disso, muitos dos animais que vivem em zoológicos já nasceram dentro dessas instituições, foram resgatados de situações de contrabando e teriam muita dificuldade de sobreviver na natureza, ou então são espécies que habitam regiões de intensa caça predatória ou que tiveram seu hábitat destruído e correm risco de extinção.

Tanto os zoológicos quanto os museus são essenciais para que novas gerações de cientistas e entusiastas da natureza se encantem e decidam preservar e estudar mais esses ambientes e os seres vivos. Afinal, assim como em Pokémon, quanto mais você conhece, mais vontade você tem de entrar nessa história. No mundo real também é assim: quanto mais nos aventuramos e aprendemos, mais interessante ele fica!

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