O lixo de origem humana que entra no mar está presente nas imagens, hoje comuns, de animais emaranhados em materiais de todo tipo ou que ingeriram ou sufocaram com diferentes itens. Também é conhecida a imensa mancha de lixo que se acumula no chamado ‘giro’ do oceano Pacífico Norte – os giros, existentes em todos os oceanos, são áreas em torno das quais se deslocam as correntes marinhas. Nas zonas centrais desses giros, as correntes têm baixa intensidade e quase não há ventos. Os resíduos que chegam ali ficam retidos e se acumulam, gerando enormes ‘lixões’ oceânicos.
Apesar do sensacionalismo em torno desse tema, o estudo do lixo marinho tem bases científicas e envolve, em todo o mundo, cada vez mais pesquisadores e tomadores de decisão. Todos engajados na luta pela diminuição desse problema social e ambiental.
Os impactos ligados à presença do lixo no mar começaram a ser observados a partir da década de 1950, mas somente em 1975 foi definido o termo ‘lixo marinho’, hoje consagrado. Essa definição, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, diz que é lixo marinho todo material sólido de origem humana descartado nos oceanos ou que os atinge por rios, córregos, esgotos e descargas domésticas e industriais.
Detritos orgânicos (vegetais, animais, fezes e restos de alimento) não são considerados lixo marinho, porque em geral se decompõem rapidamente e se tornam nutrientes e alimentos para outros organismos. As fontes do lixo oceânico são comumente classificadas como ‘marinhas’ (descartes por embarcações e plataformas de petróleo e gás) e ‘terrestres’ (depósitos e descartes incorretos feitos em terra e levados para os rios pelas chuvas e daí para o mar, onde também chegam carregados pelo vento e até pelo gelo).
O número de publicações, científicas e não científicas, sobre lixo marinho começou a aumentar a partir da década de 1980, segundo Christine Ribic, bióloga norte-americana e uma das principais pesquisadoras da área.
Ribic atribui esse aumento a três processos: 1) a contínua e crescente substituição, em vários tipos de utensílios, de materiais naturais pelos sintéticos – estes, como o plástico, resistem por mais tempo à degradação no ambiente marinho e tendem a se acumular; 2) o baixo custo dos materiais sintéticos, que não incentiva sua reciclagem e favorece o descarte no ambiente e 3) o aumento, na zona costeira, do número de habitantes e embarcações, que podem contribuir para o descarte de lixo no ambiente marinho.
Compromissos e atitudes
Os estudos sobre o volume de resíduos no mar e os impactos à fauna levaram à realização, nos Estados Unidos, de Conferências Internacionais de Lixo Marinho, organizadas pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (Noaa, na sigla em inglês). As conferências ajudaram a consolidar a ideia de que o problema do lixo marinho deve ser reconhecido e enfrentado pelo poder público e por indústrias, pescadores, marinha mercante, militares e a sociedade em geral, e ainda agilizaram trocas de informação entre os pesquisadores e os tomadores de decisão.
O número de participantes – inclusive de países – vem aumentando, como mostrou a última Conferência Internacional de Lixo Marinho, realizada em 2011, no Havaí, que teve o apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Esse encontro gerou dois documentos importantes: o Compromisso de Honolulu e a Estratégia de Honolulu.
O primeiro é uma lista com 12 atitudes/ações que objetivam reduzir a geração de lixo marinho. Ao assinar esse documento, a nação, empresa ou indivíduo assume publicamente o compromisso de combate ao problema. Já a Estratégia de Honolulu consiste em um roteiro de medidas elaborado para orientar a sociedade civil, o poder público e o setor privado a planejar e executar suas ações nesse campo, incluindo a troca de informações e o aprendizado mútuo. Inclui três eixos de ação: reduzir o lixo marinho gerado em terra, reduzir o lixo marinho gerado no mar e remover o lixo acumulado no ambiente marinho.
Proteção do mar na ONU
A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada, em 1945, com o objetivo de promover a paz e o desenvolvimento dos países, mas nas décadas seguintes expandiu sua área de ação. Em 1972, criou uma comissão sobre meio ambiente e desenvolvimento, a qual, em 1987, publicou o relatório ‘Nosso futuro comum’ – chamado de Relatório Brundtland. O nome homenageia a então primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland, que presidiu a comissão.
O relatório criticou o sistema de produção mundial e o próprio conceito de desenvolvimento, sugerindo uma mudança na forma como as nações buscavam seu crescimento econômico. Para a comissão, os governos deveriam adotar um modelo de desenvolvimento capaz de “satisfazer as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir as próprias necessidades” – ou seja, um desenvolvimento sustentável.
Em 1992, como desdobramento do Relatório Brundtland, foi promovida a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como Eco-92, ou Rio-92, por ter ocorrido no Rio de Janeiro. O encontro mundial gerou um documento, a Agenda 21, contendo compromissos que os países deveriam adotar para proteger o meio ambiente. Entre eles estavam mudanças nos padrões de consumo, manejo ambientalmente saudável dos resíduos sólidos e proteção dos oceanos, mares e zonas costeiras, temas que se relacionam com a diminuição da geração de lixo marinho.
Dando sequência às iniciativas da ONU contra a degradação do ambiente marinho, o PNUMA criou, em 1995, o Programa Global de Ação para a Proteção do Ambiente Marinho de Atividades Situadas em Terra (GPA, na sigla em inglês). Esse programa inovou ao apontar a conexão entre os ambientes marinho e terrestre e buscou orientar as nações no sentido de reduzir as fontes de degradação dos oceanos oriundas de atividades humanas realizadas em terra.
Andréa de Lima Oliveira
Flávia Cabral Pereira
Programa de Mestrado em Oceanografia
Instituto Oceanográfico
Universidade de São Paulo
Alexander Turra
Laboratório de Manejo, Ecologia e Conservação Marinha
Instituto Oceanográfico
Universidade de São Paulo