Um fato alarmante vem sendo constatado com frequência cada vez maior: nossos rios, manguezais, praias e o próprio oceano estão repletos de lixo. Atualmente, esse problema afeta todo o mundo, atingindo tanto áreas urbanas litorâneas quanto locais remotos e até inabitados, a exemplo de algumas ilhas oceânicas.

O lixo que chega a esses ambientes tem origem diversa, mas, sem dúvida, as atividades e comportamentos humanos, acidentais ou intencionais, estão na raiz do problema. Embora seja conhecido como esses resíduos entram nas áreas naturais, sua produção e deposição continua a ser facilitada. 

lixo em mangue
Nos manguezais, raízes, galhos emaranhados e sedimento lodoso ajudam a reter os resíduos, tornando difícil sua retirada por processos naturais ou de limpeza pública. Na foz do rio Potengi, em Natal (RN), o lixo se acumula. (foto: Christina Araujo)

O lixo atinge ambientes costeiros por meio de esgotos e lixões instalados irregularmente perto de rios ou, muitas vezes, por meio dos próprios usuários de praias, que deixam resíduos na areia. Os caminhos dessa poluição são variados, mas o mar é quase sempre o ponto de chegada.

O oceano também recebe lixo lançado por embarcações, desde as pequenas até barcos de pesca e navios de grande porte. Apoiados no falso conceito de que os oceanos são capazes de assimilação infinita e na garantia de anonimato, os tripulantes se desfazem dos resíduos antes da chegada em terra.

A presença de lixo nos ambientes naturais está intimamente ligada a questões como saúde pública, conservação ambiental e desenvolvimento sustentável

A presença de lixo nos ambientes naturais está intimamente ligada a questões como saúde pública, conservação ambiental e desenvolvimento sustentável, e tem potencial para causar sérios prejuízos econômicos, sociais e ambientais. No caso dos ambientes costeiro e marinho, esses prejuízos incluem gastos para a limpeza das praias por órgãos públicos (verba que poderia ser destinada a outras finalidades), perdas do potencial estético e turístico do local, contaminação da areia por organismos que causam doenças e danos a espécies marinhas. Como o lixo é o tipo de poluição mais visível, a sujeira pode tornar a praia pouco atrativa e afastar as pessoas.

No caso de resíduos sólidos, os animais (aves, peixes, tartarugas, cetáceos e outros) os ingerem ou enredam-se neles, o que pode levar a sufocamentos, ferimentos, doenças e até a morte. No atol de Midway, no oceano Pacífico, a mais de 2 mil km do continente mais próximo, o fotógrafo norte-americano Chris Jordan registrou a morte de milhares de albatrozes que confundiram o lixo flutuante com comida.

Resíduos diversificados

Esta é a era dos descartáveis, ou seja, usa-se muito plástico e esse material não é reaproveitado como deveria. Há muitas formas de poluição extremamente danosas, mas os plásticos presentes no lixo representam uma das maiores preocupações, por causa de propriedades como baixa densidade (que facilita a flutuação e a dispersão) e persistência (uma garrafa plástica de refrigerante pode levar mais de 300 anos para se decompor). 

Nos manguezais, características como raízes e galhos emaranhados e sedimento lodoso ajudam a reter os resíduos, tornando difícil sua retirada por processos naturais ou de limpeza pública.

Embora a presença do lixo já seja evidente nos ambientes costeiros e no mar, o que se percebe provavelmente é apenas a ‘ponta do iceberg’. Um volume imenso de fragmentos ou itens muito pequenos está disperso e ‘invisível’ – ou está enterrado sob sedimentos (areia ou lodo), ou sua visualização é dificultada pelo tamanho.

lixo diverso
Lixo relacionado ao uso da praia, recolhido em 300 m2 de areia na praia de Boa Viagem, em Recife (PE). (foto: Christina Araujo)

Os itens do lixo presentes nos ambientes naturais, inclusive as áreas costeiras e o mar, mostram grande diversidade na composição e no tamanho. O macrolixo inclui itens com dimensão bastante variável, mas a maioria tem entre 5 e 30 cm, o que abrange em especial garrafas de politereftalato de etileno (plástico PET), garrafas de vidro, tampas de plástico ou metal, canudos, potes diversos, fragmentos de tecidos, pedaços de madeira ou partes de utensílios, entre outros. Já os itens considerados pequenos incluem em geral fragmentos plásticos entre 5 mm e 5 cm e outros itens, como pontas ou guimbas de cigarro (em torno de 3 cm).

Em 2009, um estudo feito na praia de Boa Viagem, em Recife (PE), em seis domingos, levou à coleta de 20.090 itens de resíduos sólidos em uma área de 900 m2, o que corresponde a 3,7 itens por m2. Fragmentos plásticos com 2 a 5 cm foram abundantes, representando cerca de 15% do total de resíduos plásticos.

Mesmo após longo período de exposição à radiação solar e às variações do clima, os plásticos comuns não sofrem biodegradação –não são transformados pela ação de microrganismos

Mesmo após longo período de exposição à radiação solar e às variações do clima, os plásticos comuns não sofrem biodegradação, ou seja, não são transformados pela ação de microrganismos. Com o tempo, porém, são reduzidos a pedaços cada vez menores, mas continuam a ser material plástico. Essa degradação mecânica é a principal responsável pela dificuldade de remoção do lixo acumulado principalmente em praias e manguezais. Quanto menor o fragmento, mais ele se mistura e se camufla no ambiente, dificultando a visualização.

Muitos dos resíduos encontrados em praias têm baixo poder de degradação no ambiente e alguns não costumam ser reciclados no país, como borracha, polipropileno expandido (isopor), pontas de cigarro e polipropileno biorientado metalizado (Bopp, na sigla em inglês) usado em embalagens de alimentos. Portanto, não há interesse em seu recolhimento. As pontas de cigarro se degradam mais rápido que os plásticos, mas o tamanho e a cor facilitam a mistura com a areia, prejudicando a coleta.

 

Você leu apenas o início do artigo publicado na CH 313. Clique aqui para acessar uma edição resumida da revista e ler o texto completo.
 

Maria Christina B. de Araújo
Departamento de Oceanografia e Limnologia
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Jacqueline S. Silva-Cavalcanti
Departamento de Engenharia de Pesca
Universidade Federal Rural de Pernambuco

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