O estudo meticuloso das partes do corpo humano para a identificação de indivíduos, a antropometria, é uma técnica antiga, proposta na década de 1880 pelo policial francês Alphonse Bertillon (1853-1914). Nos últimos 130 anos, ela evoluiu, e agora vem se adaptando às tecnologias digitais, com mil e uma possibilidades de uso. Em breve, como mostra pesquisa do engenheiro de computação Tiago Figueiredo Vieira – fruto de parceria entre o Politecnico di Torino, na Itália, e o Departamento de Eletrônica e Sistemas da Universidade Federal de Pernambuco – poderá ser usada para apontar parentescos entre indivíduos.
Se à primeira vista a proposta parece simples, não se engane: para fazer o que promete, o programa de computador desenvolvido por Vieira utiliza um intricado sistema de algoritmos que, grosso modo, permite comparar características físicas faciais de indivíduos distintos e, dependendo das semelhanças e diferenças entre elas, determinar se são parentes ou não.
“Construímos um banco de dados com fotografias de vários voluntários”, conta o pesquisador. “A partir dele, montamos pares de fotos de irmãos e de não irmãos e ensinamos ao computador quais amostras representavam associações familiares, a partir da comparação de fatores e características faciais, como geometria, textura e cor”.
Após esse ‘aprendizado’, o computador identificou corretamente irmãos e não irmãos em cerca de 90% dos testes realizados – resultado promissor para um projeto ainda em fase inicial, segundo Vieira. Além de identificar irmãos, o programa também é capaz de apontar o parentesco entre pais e filhos, mas o pesquisador ressalta que não é possível determinar o grau de parentesco exato dentro de um banco com fotos de pais, filhos, irmãos e irmãs. “O reconhecimento só ocorre quando aqueles dois tipos de casos são isolados. É como se fossem dois programas distintos”, esclarece.
Outras limitações ainda presentes no sistema são a inabilidade de lidar com a presença de gêmeos idênticos e meios-irmãos no grupo analisado. Para o futuro, Vieira pretende encontrar soluções para os problemas existentes e ampliar o banco de dados com mais pessoas, aumentando o alcance do programa.
Um programa assim pode ter muitas aplicações, segundo Vieira. Empresas como o Facebook, por exemplo, poderiam usá-lo para classificar e relacionar seus usuários. A rede social, inclusive, já usa uma técnica parecida: com base nos perfis cadastrados, é possível estudar os registros faciais encontrados em uma foto e compará-los com os rostos disponíveis em sua rede de relacionamentos.
Com o programa computacional de Vieira, a rede social poderia confrontar aspectos físicos faciais para identificar parentescos automaticamente – o que teria, inclusive, aplicações comerciais. “Perto do Dia das Mães, por exemplo, o Facebook poderia disponibilizar ao filho propagandas baseadas em pesquisas que sua mãe fez, mesmo que o parentesco não esteja explicitamente declarado na rede”, prevê Vieira.
Além de redes sociais, a previsão é que o programa também possa, por exemplo, auxiliar o trabalho da polícia. “Ele poderia contribuir para encontrar pessoas desaparecidas ou na busca por parentes mais próximos de pessoas com problemas, como o mal de Alzheimer e que tenham se perdido”, sugere Vieira.
São muitas as expectativas diante dessas inovações tecnológicas, assim como as questões que as acompanham. Seria possível, no futuro, que uma evolução de um programa como esse ajudasse no rastreamento de familiares desconhecidos compatíveis para doação de órgãos ou que funcionasse como um novo tipo de teste de paternidade? O jeito é esperar para ver.
Isabelle Carvalho
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 313 (abril de 2014). Clique aqui para acessar uma versão resumida da revista.