Promulgado em 9 de abril de 1964 pela junta militar composta pelo general do exército Artur da Costa e Silva, pelo tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo e pelo vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald, o Ato Institucional somente passou a ser designado de AI-1 depois da promulgação do AI-2, em outubro do mesmo ano.
Composto de um preâmbulo e 11 artigos, o AI-1 dava ao governo militar o poder de cassar mandatos legislativos, suspender direitos políticos por 10 anos e subtrair qualquer servidor público que atentasse contra a segurança do país, o regime democrático e a probidade da administração pública. Determinava a eleição indireta, pelo Congresso Nacional, do Presidente da República, a ser realizada dois dias depois, no dia 11 de abril, para um mandato de menos de dois anos, até 31 de janeiro de 1966, quando expiraria a vigência do Ato.
Redigido pelo jurista Francisco Campos, autor da Constituição do Estado Novo (1937), leitor de Carl Schmitt e um dos mais influentes políticos conservadores de todo o século 20 no Brasil, o preâmbulo do AI-1 é uma dessas ocasiões em que ator e intérprete encontram-se no ato de explicar o que fazem, por que o fazem. Atribuem motivos: “Fixar um conceito”; “explicar uma revolução vitoriosa”; determinar a força originária de um “Poder Constituinte” que, curiosamente, não constitui. Paradoxalmente, o AI-1 dispunha sobre a manutenção da Constituição Federal de 1946, que permanecia vigente. Revolução sim, mas sem rupturas radicais.
Ainda que a agenda da Guerra Fria esteja presente no preâmbulo de Campos, o texto respira um desprezo pelo tema. O inimigo desta “revolução” era interno. Seus alvos imediatos eram o governo e, principalmente, o fraco parlamento.
A “revolução vitoriosa” era um golpe contra o sistema representativo. Dos 102 brasileiros que tiveram seus direitos políticos cassados no dia seguinte à promulgação do AI-1, 41 eram deputados federais. Com o expurgo do Congresso Nacional, o Ato permitia que o sistema representativo permanecesse ativo, como forma de “reduzir ainda mais os plenos poderes” da revolução. Esta era uma revolução que se dizia autocontida, com freios e contrapesos encaixados em sua engrenagem.
A nova ordem mudava a ordem das coisas sem alterar a ordem das coisas – apenas excluía atores incômodos. Com AI-2, de outubro de 1964, foram-se os partidos. Dois anos depois, começou a reorganização do sistema representativo, com a edição do AI-3. Em 1967, a ditadura militar ganhou Constituição e forma jurídica própria, conforme convocação do AI-4 ao Congresso Nacional no ano anterior.
Francisco Campos participou da redação de todos esses documentos. Faleceu em Belo Horizonte um mês antes da promulgação do AI-5, em dezembro de 1968. Naquele fim de ano, diante da rebeldia parlamentar e da resistência dos movimentos sociais, o direito autoritário “constituído” foi suplantado pelo terror. Terminara o flerte dos militares com uma ordem jurídica autoritária dotada de mecanismos de representação. O parlamento acabara; estava inaugurado um estado de exceção.
José Eisenberg
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Coordenador-geral de Pesquisa e Editoração da Biblioteca Nacional
Texto originalmente publicado no sobreCultura 15.