Pode-se dizer que a Terra está ocupada em quase todos os seus nichos por diversas espécies de micro-organismos, o que podemos interpretar como um grande sucesso evolutivo. Esses seres unicelulares se reproduzem assexuadamente, por simples divisão, há mais de 3 bilhões de anos, atestando a eficiência do processo. Ao longo da evolução, porém, surgiram indivíduos multicelulares, mais complexos, e com eles uma peculiar forma de reprodução, que envolve diferentes sexos.
Essa peculiaridade chamou a atenção de Charles Darwin (1809-1892), que se perguntava por que a sexualidade foi favorecida pela seleção natural. Para ele, não era óbvia a vantagem dessa forma de gerar descendência. Darwin achava até curiosa a existência de machos, já que a partenogênese (desenvolvimento de embriões sem fecundação), sendo possível na natureza, facilitaria bastante a reprodução.
Mais tarde, aperfeiçoando sua teoria evolutiva, ele incluiu a seleção sexual como importante acessório da seleção natural, pois a escolha do parceiro certamente levaria em conta características relevantes para a robustez dos descendentes.
Com o avanço da biologia, foi resolvida a questão das vantagens do sexo. Este, resumidamente, premia a diversidade (criada pela fusão de dois conjuntos de genes) e habilita os integrantes de uma população a lidar melhor com as contínuas mudanças do meio ambiente.
De fato, evidências experimentais em camundongos, cobaias e humanos sugerem que a seleção sexual se dá entre indivíduos com a maior diferença genética possível entre si, representada pelos genes do antígeno de histocompatibilidade (genes variáveis ligados ao sistema imune). Aparentemente, essas diferenças podem ser reconhecidas pelo odor dos indivíduos.
Com o passar do tempo, a seleção natural também forneceu explicações para outros comportamentos dos seres de reprodução sexuada. Mesmo os que sofrem fortes influências culturais, caso dos humanos. São exemplos o amor, a monogamia e o ciúme.
O amor, que, de modo reducionista e bem pouco romântico, é deflagrado por neurotransmissores e consolidado por endorfinas, parece ter origem na forte ligação entre uma criança e sua mãe. Já se constatou que os mesmos hormônios – em especial, a oxitocina – que determinam o amor parental e a atração sexual também promovem uma relação de relacionamento exclusivo, intimidade sexual e compartilhamento de recursos, fatores importantes para manter um pool gênico de qualidade. Assim, o principal papel evolutivo do amor seria a reprodução.
A monogamia foi outro fator de difícil encaixe no panorama evolutivo. Entre os mamíferos, a monogamia é relativamente rara: das cerca de 4 mil espécies, apenas de 3% a 5% exibem esse comportamento.
Nos humanos, a monogamia pode ser encarada como facultativa, já que, historicamente, foi imposta por muitas religiões. Portanto, não seria ‘natural’. Além disso, a monogamia é vista como uma estratégia reprodutiva instável, porque aposta todas as fichas no acerto da escolha inicial.
Acredita-se que a monogamia derivou de situações nas quais havia, de início, poucas alternativas de parceiros para acasalamento – por exemplo, em populações pouco numerosas.
A reboque da monogamia veio o comportamento de defesa ou guarda do parceiro, exibido principalmente pelos machos de uma espécie, visando proteger os próprios genes. O benefício seria o acesso permanente ao potencial reprodutivo do(a) parceiro(a), aliado em alguns casos ao cuidado dos filhotes.
Em contrapartida, espécies não monogâmicas têm acesso a vários parceiros, o que aumenta a probabilidade de obter a melhor prole possível, em termos genéticos. Não seria exagero afirmar que essa guarda do parceiro foi a provável precursora do ciúme, tão presente entre os humanos.
É interessante notar que, nessa visão, amor, monogamia e ciúme estão subordinados à reprodução. Talvez choque um pouco a noção de que esses aspectos culturais-comportamentais dependeriam de frios mecanismos fisiológicos, mas reconforta constatar que esse trio inspirou e ainda inspira as artes em todas as suas formas.
Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica
Universidade Federal do Rio de Janeiro