Possível arma no combate à malária

Mais de 216 milhões de pessoas foram infectadas com o parasita da malária em 2016 em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Desse total, mais de 445 mil morreram. É um problema dramático de saúde pública que afeta, sobretudo, países periféricos como o Brasil, que registrou mais de 4 milhões de casos de infecção entre 2003 e 2015.

Como ocorre com qualquer enfermidade, o tratamento da malária torna-se mais eficiente quando se tem um diagnóstico precoce. Essa é uma tarefa difícil no caso da malária, sobretudo pelo baixo nível socioeconômico das populações que moram onde há grande incidência de mosquitos infectados com os parasitas que provocam a doença. Além disso, existem diversos tipos de parasitas, e ainda não foi desenvolvido um método de detecção que seja eficaz para todos.

Há duas formas básicas de diagnóstico da malária, ambas com suas limitações. Uma delas é por meio do exame de sangue, analisado ao microscópio, que busca verificar quantas células vermelhas foram infectadas com os parasitas. Trata-se de uma técnica pouco eficiente em termos práticos.

A outra, conhecida como Teste de Diagnóstico Rápido (TDR), é baseada na identificação de algumas proteínas produzidas pelos parasitas da malária no sangue das pessoas infectadas. Embora forneça o resultado em 15 minutos – daí a denominação TDR –, a análise não abrange todas as espécies de parasitas. Alguns testes detectam apenas uma espécie (Plasmodiumfalciparum), enquanto outros detectam várias espécies (Plasmodiumfalciparumvivax, Plasmodiummalariaee Plasmodium ovale). O resultado do teste que detecta a aldolase, um antígeno presente em todas as espécies de Plasmodium, depende muito das condições ambientais e da estabilidade dos reagentes.

O principal nutriente de todos os parasitas da malária é a hemoglobina (proteína das células vermelhas do sangue responsável pelo transporte de oxigênio), que tem em sua composição certa quantidade de ferro. Enquanto degusta a hemoglobina, o parasita produz a hemozoína, também conhecida como pigmento malárico.

Esse pigmento consiste de nanocristais magnéticos. Então, se pudermos detectar esses nanocristais, teremos um método universal para diagnosticar a malária. Analisar uma amostra de sangue para investigar suas propriedades magnéticas é coisa banal para os laboratórios de física. O problema é fazer essa possibilidade chegar aos locais onde predomina a moléstia.


Os parasitas da malária consomem a hemoglobina do sangue. Nesse processo, produzem hemozoína, um pigmento formado por nanocristais magnéticos (em marrom na imagem).


Os parasitas da malária consomem a hemoglobina do sangue. Nesse processo, produzem hemozoína, um pigmento formado por nanocristais magnéticos (em marrom na imagem).

Foto: Ernst Hempelmann/ Wikimedia Commons*

Em 2008, uma equipe de cientistas das universidades de Exeter e Coventry, no Reino Unido, e do Royal Tropical Institute de Amsterdam, na Holanda, desenvolveram um método para detectar a hemozoína em amostras de sangue por meio da magneto-ótica (técnica que consiste em analisar o efeito ótico produzido por campos magnéticos, ou o efeito que meios magnetizados produzem em algumas propriedades da luz que interagem com o meio).

No último 18 de maio, uma equipe de cientistas das universidades do Sul da Califórnia e John Hopkins (ambas nos EUA) apresentou um sistema portátil para diagnóstico ótico (PODS, na sigla em inglês). Do tamanho de uma caixa de sapato, pesando menos de 5 kg e podendo funcionar com uma bateria durante oito horas, o equipamento pode ser utilizado facilmente em qualquer lugar.

Quando um feixe luminoso interage com um meio magnetizado, ele sai desse meio com algumas de suas propriedades alteradas. Não importa aqui saber exatamente que propriedades são essas, se obedecem ao efeito Faraday ou ao efeito Kerr. O importante é que esses efeitos são mensuráveis e suas observações permitem a investigação do estado magnético do meio. Existem várias aplicações tecnológicas que usam esse tipo de fenômeno. Talvez você esteja lendo este texto em um computador com um sistema magneto-ótico de gravação e leitura de dados em sua memória ou no disco rígido.

No caso do PODS, o procedimento básico é fazer um feixe de laser atravessar algumas gotas de sangue para então examinar a absorção da luz. O sangue, infectado ou não, absorve a luz do laser, e a absorção será maior se a hemozoína estiver presente.

Se diversos tipos de sangue saudável absorvem a luz de modo diferente, como distinguir o sangue saudável do infectado? A solução é simples e genial: com um campo magnético externo, os eventuais cristais de hemozoína presentes no sangue são deslocados para fora da área coberta pelo feixe do laser. Então, se o resultado com e sem campo magnético for diferente, é sinal de que o sangue está infectado.

Enfim, o PODS consiste de um laser, um detector de luz e um ímã.

Carlos Alberto dos Santos
Instituto Federal de Educação
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (Natal)

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