Em 1907 – dois anos depois de publicar cinco artigos que mudariam a face da física –, o jovem físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955) tomou para si a tarefa de encontrar uma nova teoria para a gravidade. A descrição da gravidade proposta cerca de 2,5 séculos antes pelo físico britânico Isaac Newton (1642-1727) se tornara inconsistente com o novo paradigma da relatividade introduzido por Einstein em 1905. Nessa busca de Einstein, podemos citar três principais marcos: i) a formulação do princípio de equivalência; ii) o surgimento da ideia de espaço-tempo; iii) a percepção de que esse espaço- tempo deveria ter uma geometria curva.

O princípio de equivalência de Einstein é uma reinterpretação de um fato bem conhecido na teoria de Newton: todos os objetos caem com a mesma aceleração sob a ação da gravidade, independentemente do quão pesados sejam. Einstein percebeu que esse fato, sozinho, possibilitava interpretar a força da gravidade como uma força de inércia, um tipo de força cujo exemplo mais comum é a força centrífuga, aquela  que tenta nos jogar para fora de um carro fazendo uma curva. Mesmo com efeitos bem reais sobre quem está no carro, essa força simplesmente deixa de existir quando se adota o ponto de vista de alguém parado em terra firme. Para esse observador, é a inércia – a tendência de os corpos manterem seu estado de movimento retilíneo com velocidade constante – a responsável  por ‘jogar’ o ocupante  para fora do carro.

É impossível distinguir a situação de queda livre em um campo gravitacional daquela de estar livre de qualquer força (ou seja, inercial) no espaço sem gravidade. Com essa ideia – que Einstein qualificaria como ‘a mais feliz’ de sua vida –, foi dado o primeiro  passo em sua busca

Para entender o caso da gravidade, vamos recorrer – como gostava Einstein – a um experimento mental. Você acorda e se vê dentro do que parece ser um elevador. De repente, você é tomado por uma sensação de total ausência de peso. Seus pés mal tocam o chão, e seu celular, tendo escapado de sua mão, flutua a seu lado. A conclusão, embora terrível, parece inevitável: o elevador e tudo mais dentro dele estão em queda livre, sob a ação da gravidade. Por mais alto que se encontrasse o elevador, logo essa agonia terá fim, pensa você. Mas o tempo passa sem que nada de trágico aconteça. Com isso, uma esperança surge em sua mente: “Estaria mesmo o elevador em queda  livre? Eu não poderia estar… Flutuando no espaço sideral, longe de qualquer planeta ou corpo capaz  de provocar gravidade?” 

Esse é exatamente o teor do princípio de equivalência de Einstein:  é impossível distinguir a situação de queda livre em um campo gravitacional daquela de estar livre de qualquer força (ou seja, inercial) no espaço sem gravidade. Com essa ideia – que Einstein qualificaria como “a mais feliz” de sua vida –, foi dado o primeiro  passo em sua busca.

Espaço-tempo 

O segundo marco ficou por conta de um ex-professor de Einstein, o matemático alemão Hermann Minkowski (1864-1909), que percebeu, já em 1907, que os efeitos da relatividade poderiam ser mais bem compreendidos se tempo e espaço fossem considerados como meras facetas de um ente mais fundamental, um ‘espaço’ físico com quatro dimensões (ou direções independentes) no qual cada observador perceberia de maneira diferente, dependendo de seu movimento, como essas quatro dimensões se separam nas três espaciais (comprimento, altura e largura) e uma temporal que experimentamos com nossos sentidos.

Nascia, assim, o conceito de espaço-tempo. Curiosamente, Einstein não percebeu de imediato a profundidade da contribuição de Minkowski. Para ele, a reformulação de sua teoria em termos de espaço-tempo não passava de uma curiosidade matemática, uma “erudição supérflua”.. Ele só daria importância a essa ideia por volta de 1912, ao vislumbrar a possibilidade de descrever a gravidade por meio de um espaço-tempo que tivesse sua geometria distorcida, curvada pela presença de matéria e energia. O cerne da nova teoria da gravidade estava estabelecido, mas três anos ainda se passariam até que a nova teoria tomasse  sua forma final. Em 25 de novembro de 1915, Einstein chegaria às equações da gravidade que hoje levam seu nome.

Geometria distorcida 

Na tentativa de encontrar uma teoria da gravidade que fosse consistente com a relatividade de 1905, Einstein acabou por generalizar esta última, que ficou conhecida como teoria da relatividade restrita (ou especial) e é marcada por dois aspectos  gerais: i) a velocidade  da luz (300 mil km/s) é uma constante da natureza; ii) espaço e tempo deixaram de ser conceitos absolutos – eles, agora, dependiam do estado de movimento de cada observador.

Unindo todas as peças do quebra-cabeça, a teoria da relatividade geral, como foi chamada, aboliu o conceito de força gravitacional: agora, uma maçã solta no ar cai em direção ao chão não porque há uma força puxando-a para baixo, mas porque a trajetória de queda é a ‘mais retilínea possível’ na geometria do espaço-tempo distorcida pela massa da Terra.

Do mesmo modo, o Sol não mais exerce uma força sobre a Terra e os outros planetas; apenas deforma a geometria à sua volta, de modo que os planetas, livres da ação de qualquer força, ao percorrerem as trajetórias ‘mais retilíneas possíveis’ nessa  geometria distorcida,  acabam descrevendo as órbitas que observamos (figura 1).

Teoria da relatividade
Na primeira figura, trajetória de queda de uma maçã na geometria do espaço distorcida pela massa da Terra. Na imagem de baixo, órbita dos planetas no espaço distorcido pela massa do Sol. (gráficos: Luiz Baltar)

Em consonância com o princípio de equivalência de Einstein, os referenciais em queda livre são os verdadeiros referenciais inerciais. Portanto, você, leitor(a), sentado(a) em sua cadeira ou em pé lendo estas linhas,está,  mesmo parado(a), sendo  acelerado(a) para cima – ou seja, sendo tirado(a) a todo instante da trajetória que seria inercial, como ocorre com o ocupante de um carro fazendo uma curva – pela única força que atua sobre você no momento:  a de contato com a cadeira ou o chão (figura 2).

 
Você leu apenas parte do artigo publicado na CH 332. Clique aqui para ter acesso a uma versão digital da revista e ler o artigo completo.

Daniel Vanzella
Instituto de Física de São Carlos
Universidade de São Paulo

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