“Por que parar? Mude para o Blu e saboreie todos os prazeres de fumar sem os problemas”, diz a propaganda de uma marca americana de cigarro eletrônico. “Melhor que um cigarro real”, “Mais saudável”, garantem outros anunciantes. Desde que foi lançado no mercado, em 2003, o cigarro eletrônico vem sendo vendido como uma alternativa menos danosa à saúde que o convencional e até como uma ferramenta auxiliar para parar de fumar tabaco. No entanto, faltam provas de sua eficácia como terapia e sobram evidências de seus perigos.
De formato semelhante a um cigarro comum, o produto eletrônico é um dispositivo plástico com uma bateria que gera calor para evaporar nicotina líquida e substâncias aromatizantes contidas em cartucho descartável, vendido separadamente. Em vez de fumaça, ele gera vapor. Por não queimar, não libera tantas substâncias tóxicas e cancerígenas quanto o cigarro convencional.
Isso, entretanto, não o faz seguro. Extraída do tabaco, a nicotina, além de ser a substância responsável por causar dependência química, está associada a diversos problemas de saúde, como doenças cardiovasculares. O nível de nicotina nos cigarros eletrônicos geralmente é entre uma e duas vezes menor do que o dos cigarros normais, variando de acordo com o tipo de cartucho comprado.
Mas a informação dos rótulos nem sempre é confiável. Um estudo realizado por pesquisadores do Instituto do Câncer Roswell Park (RCPI), nos Estados Unidos, analisou quatro das mais comuns marcas de cigarro eletrônico e verificou que a concentração de nicotina nos refis chegou a ser 20% maior do que a declarada pelos fabricantes. A substância também foi encontrada mesmo em cartuchos anunciados como livres dela.
O pneumologista Alberto Araújo, diretor do Núcleo de Estudos e Tratamento do Tabagismo (Nett) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da comissão de tabagismo do Conselho Federal de Medicina (CFM), ressalta que, além da nicotina, os cartuchos de cigarro eletrônico apresentam outras substâncias perigosas, como o propilenoglicol, usado no arrefecimento de motores e na produção de gelo seco, e metais pesados derivados do cultivo do tabaco. “O cigarro eletrônico está longe de ser inócuo”, afirma. “A nicotina vaporizada se liga ao ácido nitroso do ambiente e forma as nitrosaminas nicotínicas, que são cancerígenas, e o propilenoglicol, que quando inalado provoca irritação nas vias aéreas, podendo gerar episódios de bronquite e asma.”
Por conta da presença de substâncias cancerígenas e pela ausência de estudos controlados que mostrem a segurança do produto, a importação, a comercialização e a propaganda do cigarro eletrônico estão proibidas no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009. Apesar de liberar o cigarro convencional, que apresenta os mesmos danos, a Anvisa defende que o tratamento diferenciado para o cigarro eletrônico seja justificável porque o produto tem sido anunciado como saudável sem provas para tal alegação e também pelo grau de liberdade para acréscimo de substâncias ilícitas no cartucho de nicotina – prática que já vem sendo adotada para consumo de crack e maconha.
A decisão da agência segue a tendência dos grandes órgãos sanitários internacionais, como a Organização Mundial de Saúde, de orientar médicos e autoridades sanitárias a não recomendar o dispositivo como meio para abandonar o tabagismo.
Remédio ou veneno?
Apesar disso, alguns profissionais de saúde e cientistas, especialmente estrangeiros, acreditam na ideia de que o cigarro eletrônico possa ser uma estratégia eficaz para largar o fumo. Um levantamento conduzido entre 2009 e 2014 por pesquisadores da University College London, na Inglaterra, onde a comercialização do dispositivo é permitida, mostrou que pessoas que tentam parar de fumar sem ajuda profissional têm 60% mais chance de sucesso quando adotam o cigarro eletrônico do que quando usam apenas a força de vontade ou medicamentos vendidos em farmácias, como adesivos e chicletes de nicotina.
“Os cigarros eletrônicos são tanto uma ameaça à saúde pública quanto uma boa oportunidade para largar o vício, embora muitos profissionais o encarem apenas como a primeira coisa”, diz um dos autores do estudo, o psicólogo Jamie Brown. “O crucial é que as pessoas parem de fumar tabaco, que é o mais perigoso, e isso pode ser feito com o cigarro eletrônico, que é muito menos danoso. Embora não sejam 100% seguros, são 20 vezes mais seguros que o tabaco fumado em termos de riscos para a saúde em longo prazo.”
Segundo o pesquisador, se cada fumante da Inglaterra substituísse o cigarro comum pelo eletrônico, 60 mil vidas seriam salvas por ano em longo prazo. Aplicando o cálculo de Brown ao Brasil, hoje com cerca de 25 milhões de fumantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a mudança pouparia 166 mil vidas anualmente.
O pneumologista Alberto Araújo contesta a posição do psicólogo inglês e diz que não há como chegar a tais conclusões apenas com levantamentos sobre comportamento e sem estudos epidemiológicos. O médico também salienta que existem formas mais eficientes de tratar a dependência de tabaco. “Temos disponíveis medicamentos com eficácia já comprovada cientificamente e que não apresentam danos”, pontua. “O dispositivo eletrônico é um disfarce, é um cigarro e não um medicamento para ajudar os fumantes.”
Outra questão destacada pelo médico, que trabalha com fumantes há 15 anos, é a dependência comportamental. Por ser muito semelhante a um cigarro comum e exigir os mesmos hábitos de uso, o artefato eletrônico tornaria mais difícil a quebra do vício. “Ele imita um cigarro e isso vai contra um princípio básico no tratamento da dependência que é desfazer a dependência comportamental”, diz. “Quando o paciente está tentando parar, não pode usar nada como o cigarro, ter nada entre os dedos que leve à boca.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje/ RJ