Sexualidade e gênero na pauta da escola

Reflexões resultantes do diálogo entre uma professora do ensino médio e um pesquisador na área de educação, gênero e sexualidade.

Falar de gênero e sexualidade é mergulhar num universo amplo, historicamente construído e debatido, rico em terminologias e, por vezes, complexo. Esse universo não existe apenas em paralelo à escola, porque aqueles que vivenciam as experiências de corpo, gênero e desejo não as deixam do lado de fora ao entrarem nas salas de aula. Assim, professores, principalmente os de ciências e biologia, se veem diante de questionamentos dos alunos. Mas os docentes estão prontos para lidar com o tema?

Durante a graduação, são cursadas disciplinas na área de pedagogia que ensinam a lidar com questões que podem gerar controvérsias em sala. Apesar disso, há profissionais que não se sentem confortáveis ao tratar de gênero e sexualidade, seja por questões pessoais ou pela complexidade da temática.

Primeiramente, devemos entender que muitas dessas dúvidas são fruto das experiências individuais dos alunos e ultrapassam, por vezes, a formação acadêmica do professor, que pode e deve também buscar auxílio em outras áreas do conhecimento ou outros profissionais, como orientadores educacionais e psicólogos.

A orientação sexual recobre todas as experiências do desejo, sejam homossexuais, heterossexuais, bissexuais ou qualquer outra categoria referente à atração entre indivíduos. Já sexualidade abrange as construções sociais e culturais que se erguem a partir das relações com o corpo, da designação de gênero e dos comportamentos envolvidos

Conversar é preciso

Uma das formas de tratar do tema na escola é fornecer aos jovens o que eles querem: um espaço para conversar sobre sexualidade. Nesse espaço, perguntas que não são feitas (ou não podem ser feitas) à família são divididas com colegas e professor. Entender que existe um certo conforto para isso na escola é produtivo.

E não há problema em o professor dizer que não tem a resposta pronta, convidar para pensar nisso junto com os alunos e, até mesmo, admitir que determinada pergunta o deixa constrangido, explicando a razão. Estar junto com os alunos é mais vantajoso pedagogicamente do que acreditar estar preparado para tudo.

Assim, a primeira atitude que um professor pode tomar é ouvir. Muitas vezes os alunos não querem respostas para uma pergunta, apenas o espaço para expor suas experiências de gênero e sexualidade.

Debate mais amplo

Historicamente, as sociedades parecem impor limites para o que se pode expressar e o que deve ser silenciado sobre determinados assuntos. O tema sexualidade, por muito tempo, esteve assim, cerceado. Mas o movimento feminista – no início do século 20, se adotarmos a cronologia anglo-saxônica – e o movimento atualmente chamado LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, travesti, transexuais e intersexuais) – a partir das décadas de 1970 e 1980 – tornaram essas temáticas objeto de pesquisa acadêmica.

O final do século 20 e o início do 21 foram marcados por grandes mudanças na comunicação, com a popularização da internet e o crescimento das mídias sociais, que aumentaram a exposição dos debates sobre sexualidade. Inovações tecnológicas como redes sociais, canais de TV fechados e aplicativos de encontro contribuíram para reconfigurar as experiências ligadas ao desejo e ao corpo, aumentando o espaço para se falar de sexualidade e gênero. Com isso, também houve uma reconfiguração do conjunto de ações de preconceito e discriminações. Por tudo isso, é absolutamente impossível deixar o tema fora da escola.

 

Orientação sexual e sexualidade

A tentativa de conversar sobre questões de sexualidade em sala de aula, no entanto, algumas vezes se volta para orientação sexual. É importante ter em mente a diferença desses conceitos. A orientação sexual recobre todas as experiências do desejo, sejam homossexuais, heterossexuais, bissexuais ou qualquer outra categoria referente à atração entre indivíduos. Já sexualidade abrange as construções sociais e culturais que se erguem a partir das relações com o corpo, da designação de gênero e dos comportamentos envolvidos.

Entre as dúvidas recorrentes, estão também as diferentes terminologias usadas. Isso é importante porque as nomenclaturas existentes não dão conta da complexidade da experiência de gênero e de sexualidade. Transexual, travesti e transgênero correspondem a experiências de gênero, enquanto heterossexual, homossexual, gay e lésbica a experiências de sexualidade. Travesti e transexuais tiveram histórias políticas diferentes e não podem ser consideradas sinônimos. Intersexuais são os sujeitos que nascem com a genitália ambígua (nome usado hoje para o que se chamou hermafrodita).

 

Outras dúvidas

É necessário, ao falar sobre experiências de gênero, entender o seu significado. Nós já somos marcados a partir do nascimento por determinado sexo (masculino e feminino) e, ao longo da vida, somos formados a partir de comportamentos e expectativas alinhados com essa nomeação ao nascimento. Por exemplo, meninas vestem vestidos e brincam de boneca; meninos usam calça e jogam bola. No entanto, há pessoas ‘trans’ que não se identificam com o que é esperado da construção social de masculino e feminino.

Outro ponto que gera muitas dúvidas entre estudantes são as diferenças entre terapia hormonal e redesignação sexual. A terapia hormonal corresponde ao uso de hormônios sexuais para realçar características femininas ou masculinas. No campo da medicina, crescem os estudos a respeito dos riscos e das possibilidades envolvidas, mas há também dilemas éticos, porque as pessoas não podem ser usadas como experimentos. É também importante salientar que não se pode pensar na terapia hormonal como uma forma de fazer homossexuais se tornarem heterossexuais. Os homossexuais produzem a mesma quantidade de hormônio que as demais pessoas do mesmo sexo, sendo o uso da terapia hormonal com essa finalidade um equívoco.

Já a redesignação sexual envolve vários processos de transformação corporal dentre os quais, as cirurgias genitais – ou de mudança de sexo. É algo bastante complexo, que requer acompanhamento psicológico e outros tanto no pré quanto no pós-operatório.

Essas são apenas algumas das muitas questões que surgem em sala de aula. Todas precisam ser levadas em conta, já que a escola corresponde ao espaço de escuta de conflitos e dúvidas. A ação mediadora nesse cenário, muitas vezes, requer a atuação de outros profissionais como psicólogos ou orientadores. Como mencionado anteriormente, ter a responsabilidade de dizer que não sabe responder de imediato a um questionamento e levar em conta que professor e aluno podem aprender juntos é uma didática estimulante. Por fim, é importante refletir sobre as implicações políticas do tema na sociedade, pois a escola que não foge à discussão de questões que alguns segmentos sociais preferem manter obscuros pode ser acusada de doutrinação ideológica.

Juliana Bandeira Marinho

Aluna do Mestrado Profissional em Ensino de Biologia em Rede Nacional (ProfBio)
*Artigo resultante de entrevista com o pesquisador Thiago Ranniery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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