Segundo o antropólogo canadense David R. Begun, um dos maiores mistérios da paleontologia foi a rápida mudança evolutiva pela qual passaram os humanos e a relativa estabilidade dos grandes símios, como chimpanzés e gorilas, que pouco se alteraram a partir de seus ancestrais comuns, há cerca de 10 milhões de anos. Nesse período de tempo, os antropoides que viriam a originar os humanos adotaram e aperfeiçoaram a locomoção bipedal e tiveram um grande aumento do tamanho de seus cérebros em relação aos outros membros da ordem dos primatas.

Essa não é, entretanto, a principal ideia trazida por Begun em seu livro The real planet of the apes (O verdadeiro planeta dos macacos), publicado em 2015. Por meio de exaustiva análise anatômica de fósseis de todo o mundo, o autor elaborou a hipótese de que os humanos teriam se originado de ancestrais comuns europeus.

O que levou Begun a essa proposta foi a presença dos grandes símios na Europa entre 9 e 12,5 milhões de anos atrás e sua total ausência na África nessa mesma época. Com esses dados, o antropólogo ponderou que seria mais plausível imaginar que os símios teriam evoluído na Europa e, depois, migrado para a África. Isso contraria a hipótese mais hegemônica sobre a origem dos humanos, segundo a qual eles teriam evoluído no continente africano e migrado para a Europa e, oportunamente, para as Américas, passando pelo estreito de Behring, que na época estaria congelado.

Essa interpretação é polêmica e seu autor está ciente disso. Apesar de admitir que, em paleontologia, não se pode provar nada, ele próprio anuncia que pretende submeter sua hipótese à prova da inconsistência, prática comum em ciência que só admite uma conclusão como verdadeira se ela resistir a todas as tentativas de falseá-la.

De volta à questão inicial de Begun sobre as relativamente rápidas mudanças sofridas pelos humanos, uma possível resposta surge agora com os resultados de Herman Pontzer e colaboradores, publicados em maio na revista Nature. Pontzer considera que, assim como tudo na natureza, qualquer etapa evolutiva está subordinada à energia. Isso significa que cada organismo somente evolui se a energia derivada do seu metabolismo permite crescimento, reprodução e subsistência. Em última análise, as estratégias evolutivas adotadas pelos organismos dependem de várias permutas feitas entre esses três processos vitais.

Os humanos constituem um paradoxo energético. Eles se reproduzem mais frequentemente e têm neonatos de maior tamanho que os outros hominoides, além de exibirem maior longevidade e terem cérebros que consomem mais energia

Nesse contexto, os pesquisadores chamam a atenção para o fato de que os humanos constituem um paradoxo energético. Eles se reproduzem mais frequentemente e têm neonatos de maior tamanho que os outros hominoides, além de exibirem maior longevidade e terem cérebros que consomem mais energia. Em resumo, energeticamente, os humanos custam caro, sobretudo por causa do cérebro.

Mas como a espécie conseguiu pagar essa conta? Para alguns, por meio da redução do aparelho digestório; para outros, aumentando a eficiência de locomoção. No entanto, ambos os argumentos têm objeções, que mostram que essas variações entre os hominoides não eram muito convincentes.

O grupo de Pontzer ponderou então que talvez a conta energética do cérebro pudesse ter sido paga por meio da aceleração da taxa de metabolismo basal. Seria o equivalente a propor que um dínamo gerador de eletricidade rodasse mais rapidamente. Para comparar as taxas de metabolismo de humanos e grandes símios, foi usada uma técnica em que se mede a excreção de água e CO2 pelos indivíduos.

Os resultados confirmaram que o gasto total de energia dos humanos é maior que o de chimpanzés, orangotangos, bonobos e gorilas, sendo compatível com a aceleração da taxa de metabolismo basal.

Havia, portanto, um investimento maior de energia nos humanos, favorecido pelo compartilhamento de alimento entre os indivíduos. Os pesquisadores descobriram ainda que os humanos têm maior reserva de gordura que os grandes símios, o que também contribui para a manutenção das atividades cerebrais. O mecanismo de aceleração metabólica ainda não foi esclarecido, mas é animador saber que um pouco de gordura pode estar por trás de nosso sucesso intelectual.

 

Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica,
Universidade Federal do Rio de Janeiro

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