Instituto de Geociências
Universidade de Brasília

O Brasil tem poucos terremotos, porque está quase todo no meio da extensa placa Sul-americana e distante de suas bordas perigosas. Por isso, nossos sismos são denominados intraplaca, categoria na qual podemos incluir os tremores que acontecem na margem continental brasileira e nas regiões marinhas vizinhas, verdadeiras extensões submersas do continente. A única diferença dos demais tremores é que seus epicentros estão na porção oceânica (veja a figura).

Apesar de infrequentes, sismos fortes podem ocorrer nas margens continentais e ter consequências sociais e econômicas desastrosas, como o de Grand Banks (Canadá), de 18 de novembro de 1929, com magnitude 7,2.

O Brasil não está imune a isso. Em 28 de fevereiro de 1955, nossa área oceânica foi palco do segundo maior terremoto registrado por estações sismográficas, especialmente estrangeiras.

Antes de prosseguirmos, vale dizer que o tamanho dos terremotos começou a ser determinado com a escala de magnitude criada por Charles Richter (1900-1985), que a revelou em um artigo de 1935. Posterior mente, relacionou-se magnitude com a energia liberada pelos terremotos.

A escala de magnitude é calculada analisando os registros dos terremotos e tem natureza logarítmica, o que significa que o aumento de uma unidade nela representa um incremento de 10 vezes na amplitude da vibração do chão.

Instrumentos sísmicos são muito sensíveis. Para um tremor de magnitude 7, a amplitude da vibração sísmica é de 1 centímetro, a 50 km do foco do terremoto, ou seja, de onde partem as ondas sísmicas resultantes da ruptura do terreno. Para magnitude 6, a amplitude é 10 vezes menor, ou 1 milímetro.

Entretanto, um sismo de magnitude 7 libera cerca de 30 vezes mais energia do que um de magnitude 6, que é, mais ou menos, equivalente à energia desprendida pela bomba lançada sobre Hiroshima (Japão). O terremoto de maior magnitude (9,5) de que se tem registro ocorreu no oceano, não distante de Valdívia (Chile), em 22 de maio de 1960. A energia que liberou equivale à produzida pela Usina Hidrelétrica de Itaipu durante 25 anos, aproximadamente.

A escala de Richter era limitada e, mesmo com aperfeiçoamentos, não determinava magnitudes de grandes terremotos, como o chileno de 1960. Em 1979, surgiu a escala de Magnitude do Momento Sísmico, que exprime o tamanho e a natureza da falha geológica, ou seja, a causa do terremoto. Grande parte das magnitudes conferidas aos tremores atuais deriva de tal escala, mas o nome ‘escala Richter’, erroneamente, continua sendo aplicado.

Por sua vez, intensidade sísmica é uma medida qualitativa que descreve os efeitos produzidos pelos terremotos nas pessoas, em objetos e nas construções. A escala mais usada é a Mercalli Modificada (MM) – referência ao vulcanólogo italiano Giuseppe Mercalli (1850-1914) –, cujos níveis de I a XII relatam a severidade crescente dos terremotos. O grande propósito dessa escala é estudar tremores históricos, aqueles acontecidos antes da existência de estações sismográficas.

No Brasil, o último sismo marinho importante ocorreu em abril de 2008 e teve epicentro a 250 km ao sul de São Vicente (SP). Apesar de moderado (magnitude 5,2), abalou cidades de cinco estados do Sudeste e do Sul. Na capital paulista, prédios trepidaram; moradores de edifícios altos deixaram seus apartamentos; houve queda de reboco; objetos balançaram e caíram. Em Mogi das Cruzes (SP), rompeu uma tubulação de abastecimento d’água.

Junto à costa do Amapá, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, ocorreram quatro abalos com magnitudes entre 5,2 e 5,5. O maior deles, em 28 de junho de 1939, causou danos materiais e foi sentido fortemente em Laguna e Tubarão (SC), com intensidade VIMM e, em menor grau, em outras localidades do próprio estado, bem como no Paraná e Rio Grande do Sul.


Sismicidade brasileira – incluindo epicentros de tremores na margem continental, onde sobressai o maior número de eventos ao longo das margens frente às regiões Sul/Sudeste –, bem como movimentação das placas tectônicas, com o Brasil ocupando posição distante das bordas sismicamente mais ativas da placa Sul-Americana.

Hoje, a repetição de tremores similares poderia produzir consequências mais sérias, porque, nessas regiões, há muito mais gente e construções.


Tabela mostra a relação dos maiores sismos registrados na
margem continental brasileira.

A sismicidade marinha – toda ela registrada por estações sismográficas – retrata apenas uma fração da história dos terremotos no Brasil, pois a região começou a ser monitorada mais eficientemente apenas a partir da metade da década de 1970. Portanto, antes disso, abalos com magnitude maior ou igual a 5 podem ter ocorrido, mas deles nada se sabe.

Ocasionalmente, a exploração de gás e petróleo pode induzir o aparecimento de pequenos sismos. E não seria surpresa presenciar tal fenômeno com a ampliação de campos petrolíferos na costa brasileira (ver ‘Terremotos induzidos pelo homem’, em CH 81).

O epicentro do abalo de 2008 foi na bacia de Santos, mas seu foco se situou na crosta inferior, bem abaixo das rochas que alojam gás/petróleo. Portanto, ele não foi um sismo induzido.

 

Os maiores do país

O Brasil tem posição privilegiada na placa Sul-americana, longe de suas bordas sismicamente ativas. Mas, no interior do continente, como nas profundezas abaixo de nosso assoalho oceânico, massas rochosas submetidas a intenso esforço podem se quebrar. Foi o que ocorreu em 28 de fevereiro de 1955, causando o segundo maior terremoto no país.

Surpreendentemente, o maior sismo registrado no Brasil ocorreu dias antes, em 31 de janeiro daquele ano, e atingiu magnitude 6,2. Teve seu epicentro – provavelmente – nas proximidades da serra do Tombador (MT).

O ‘terremoto azul’ de 28 de fevereiro aconteceu a cerca de 100 km ao norte do eixo da cadeia submarina Vitória-Trindade, sucessão de montes vulcânicos que se estende em direção ao continente, por mais de mil quilômetros, entre os paralelos 20º e 21° S.

Essa montanha submarina, com picos de mais de 5 km acima do fundo marinho, só afl ora para formar os rochedos Martin Vaz e a ilha da Trindade, a 1,2 mil km de Vitória. Essa cadeia, formada de material vulcânico atravessado por falhas e intrusões, é uma zona de fraqueza da crosta terrestre. Portanto, elemento geológico propício aos terremotos.

Partindo de uma profundidade menor que 30 km e viajando em altas velocidades, as primeiras ondas sísmicas, cerca de 45 segundos depois, atingiram o litoral do Espírito Santo, a 350 km de distância do epicentro. Cidades, vilas e povoados costeiros logo sentiram os efeitos das vibrações do chão, os quais se espalharam pelo interior e beliscaram pedaços dos estados do Rio de Janeiro e da Bahia. Aproximava-se da meia-noite, muita gente dormia, e a movimentação nas cidades diminuíra depois de uma típica segunda-feira de trabalho.

Vitória, com apenas 65 mil habitantes, sentiu mais fortemente as intensidades sísmicas. “Esta capital e alguns municípios espírito-santenses viveram ontem à noite, minutos de angústia e de pânico. É que um tremor de terra, que durou cerca de 30 segundos, abalou Vitória, jogando nas ruas a população alarmada e surpreendida com o fenômeno” (O Globo,1/3/1955).


Notícias de jornais de março de 1955 sobre o terremoto. (foto: Divulgação)

Apartamentos foram abandonados às pressas, algumas vidraças partiram, objetos quebraram e paredes racharam. “A não ser o pânico de que foi tomada a população, até agora não se registraram perdas de vida nem desabamentos de monta”. O jornal relatava ter desabado o telhado da Usina Ferro e Aço Vitória, e seu vigia ter ouvido uma explosão surda. Acrescentou que a primeira trepidação durou 30 segundos e, após um intervalo de 10 a 20 segundos, repetiu-se o “segundo fenômeno, com duração maior”.

Na cidade de Cariacica, várias casas foram destelhadas. Os residentes do bairro Vila Rica acordaram com suas camas se deslocando de um extremo ao outro do quarto e, alarmados, fugiram para as ruas. O levantamento de dados sobre a percepção desse tremor aparece detalhado no livro Sismicidade do Brasil.

Moradores de Cachoeiro de Itapemerim, Guarapari, Colatina, Marilândia, Linhares e Nova Venécia acordaram com a casa vibrando e objetos caindo de armários e prateleiras. Em Guarapari, “o estrago chegou a tomar corpo, derrubando uma casa”, escreveu O Arauto, de Cachoeiro do Itapemerim (1/3/1955).

Várias pessoas em Guarapari e Colatina perceberam “dois tremores de terra”, sendo o segundo mais forte e prolongado. Entretanto, os sismogramas não apontam o registro de dois eventos. Possivelmente, eles sentiram uma primeira vibração com a chegada da onda P (primária) e, passados alguns segundos, o chão mexeu com maior intensidade e por mais tempo, com a vinda da onda S (secundária).

Bom Jesus do Itabapoana, no interior fluminense, também vibrou, mas com menor intensidade. Parte da população de Virginópolis (MG) diz que o chão tremeu por 30 segundos. Mas os moradores de Catu (BA) – município bem mais distante do epicentro – “foram tomados de pânico, quando a terra tremeu pouco depois das 22 horas”, noticiou o Diário da Tarde (4/3/1955). O jornal não dá pormenores, mas informou que ocorreram danos materiais.

Quase 100 estações sismográficas internacionais registraram esse tremor de magnitude 6,1. Estudos mostraram que ele nasceu de uma falha inversa, ou seja, de um esforço compressivo que empurrou um bloco quebrado contra o outro. Em Vitória, a aproximadamente 350 km do epicentro, a intensidade chegou a VMM (figura 3).


Áreas inferidas de percepção dos terremotos de 1955 e 1769.
Os círculos vazios são locais onde o tremor de 1955 foi sentido.
Local dos epicentros, segundo instrumento de medida (círculo) e por
inferência (hexágono), para os tremores de 1955 e 1769.

Para o Brasil, tratou-se de um respeitável abalo de terra, mas ele foi generoso por acontecer bem distante de áreas habitadas.

 

Tremor histórico

O evento de 1 de agosto de 1769 nos leva à então Capitania do Espirito Santo, onde a isolada vila de Vitória se expandia com novas construções e maior poder político. Foi por volta das 20h que o chão estremeceu com forte intensidade, levando pânico aos moradores.

Maria Stella de Novaes, historiadora voltada às causas do Espírito Santo, fala desse terremoto em seu livro Relicário de um povo (1958), dedicado ao Convento da Penha. “No mesmo ano (1769) registrou-se, a 1º de agosto, na Vila de Vitória, impressionante fenômeno sísmico: a terra estremeceu, como se estivesse a revirar-se, para esmagar a população que repousava do labor diurno. Sacudido pelo fragor de uma descarga elétrica, na Penha, o povo de Vila Velha foi preso de incrível pavor, porque, segundo testemunhas, todos que se encontravam no Convento e os habitantes da Vila caíram de bruços no chão. Calcularam que se tivesse desmoronado a montanha magnífica. Repetiam-se trovões, enquanto o solo tremia e aquela eminência de onde, até então, se irradiava um fluido de Paz, agora parecia oscilar, desde a base!”

O Convento da Penha, em Vila Velha, é um conhecido marco religioso. Sua construção maciça de tom esbranquiçado foi erguida no topo de uma elevação, quase duas centenas de metros acima do mar. Fundado há 450 anos, ele já era um edifício de porte quando o terremoto aconteceu.

Embora não se possa comprovar, é possível que tenham ocorrido danos em Vila Velha e Vitória, pois seus moradores, preocupados com a possibilidade de novos tremores, buscaram proteção religiosa com preces e penitências, adquirindo uma imagem de Nossa Senhora Mãe dos Homens, para constituir uma irmandade.

Em 1770, o poeta brasileiro Domingos Caldas Barbosa (1739-1800), que, depois, tornou-se padre e foi viver em Portugal, escreveu o ‘Poema Mariano’, narrativa em verso rimado sobre os principais acontecimentos do Santuário da Penha.

Caldas Barbosa descreve com recursos mitológicos os efeitos do terremoto, indicando-lhe a data e observando que, no momento do tremor, era noite de tempo bom, sem vento e mar calmo. Subitamente, o terreno estremeceu, causando confusão, susto e danos, até em coisas robustas (ver ‘Duas estâncias’).

Duas estâncias

Duas estâncias do ‘poema Mariano’ (1770), sobre a penha do Espirito Santo, de autoria de Caldas Barbosa.

XXXII
Inda em sessenta e nove, o sol girava,
Visitando o leão, que atroz rugia,
Tendo no augusto mês, que começava,
Uma só vez mostrado a luz do dia;
Morfeu os doces laços ajeitava;
O mar, o vento, o céu adormecia,
Quando a terra, com grito assas ingente,
Desperta os animais e acorda a gente.

XXXIV
Principia o tremor, no monte e vale;
Aumenta a confusão da morte o susto;
Pedra e tronco não há, que não se abale,
Tendo o dano maior no mais robusto.
Agora só o assombro é bem que fale,
E se emudeça a voz no espanto justo,
Vendo ficar cessando o infausto indício,
Constante a pedra, imóvel o edifício.
O terremoto, no entanto, pode ter gerado réplicas.

Em outra parte do poema, há citação de que a estátua da Virgem Maria, revestida com delicados e valiosos adornos, nada sofreu. Isso dá a entender que não houve danos acentuados nos prédios do convento, construído acima de rocha sã e compacta, o que atenua a amplitude das ondas sísmicas.

O terremoto, no entanto, pode ter gerado réplicas.“Repetiam-se trovões, enquanto o solo tremia […]”, escreveu Stella de Novaes – no caso, os “trovões” poderiam ser barulhos provocados por abalos posteriores.

Breve, porém preciosa, foi a informação vinda da Bahia. Em documento que relata a curta passagem no governo baiano de Luís Melo Silva Mascarenhas (1729-1790) – 2º Marquês de Lavradio – é citada a percepção de um tremor na capital (ver ‘Descrição histórica’).

Descrição histórica

“Seguem informações parciais sobre a administração de D. Luiz de Almeida Portugal Soares de Alarcão Eça Mello Silva e Mascarenhas, 4º Conde de Avintes e 2º Marquez de Lavradio, Governador da Bahia, que tomou posse em 19 de Abril de 1768 e deixou o governo a 11 de Outubro do anno seguinte.

“Sua administração nada apresenta de notável e apenas durante ella sentio-se na capital um pequeno tremor de terra, as 9 horas e meia da noite de 1º de Agosto de 1769, terremoto este que nenhum danno produziu”.

Fonte: Memórias históricas e políticas da província da Bahia. Cel. Ignacio Accioli de Cerqueira e Silva; e Correio Mercantil, Salvador, v. 2, 451pp. (1835).

Pela coincidência da data e proximidade de horário, é provável tratar-se do mesmo sismo que sacudiu violentamente as terras capixabas.

 

Sismos comparados

São parcas as informações disponíveis para o evento de quase 2,5 séculos, e, isoladamente, ele não teria a importância que representa quando associado ao que se sabe sobre o tremor de 1955.

Assim, os novos relatos do abalo histórico mostram duas similaridades com o de 1955: distância de percepção e intensidade sísmica. Como o tremor moderno, o de 1769 também foi percebido na Bahia, e as intensidades sísmicas dos dois eventos são bem parecidas para Vitória e Vila Velha.

O tremor antigo foi sentido em Salvador, e o moderno pouco além, em Catu, a 70 km ao norte. Em 1769, a região ao redor de Salvador era pobremente povoada, e Catu nem existia, pois nasceria quase 20 anos depois. O sismo histórico até poderia ter vibrado terrenos além de Salvador, mas, talvez, por dificuldades na preservação de informações, nada se soube. É razoável supor que os dois abalos, na direção norte, tiveram distâncias de percepção equivalentes, mas não iguais.

Considerou-se como VMM a máxima intensidade sísmica produzida pelos tremores de 1769 e 1955 em Vitória e Vila Velha. Isso significa que o sismo é sentido por todos, dentro e fora de casa, há excitação e pessoas correm para as ruas. Edifícios tremem inteiramente e podem acontecer danos leves em construções fracas


Sismicidade da área das quatro principais bacias petrolíferas do
Brasil (Campos, Santos, Espírito Santo e Pelotas). Os eventos de
1769 (hexágono) e 1955 (círculo) estão destacados na parte
superior do mapa.

Enfim, é possível que ambos os terremotos tenham origens semelhantes, tamanhos parecidos e localizações próximas, ou seja, o evento histórico teria magnitude da ordem de 6 e epicentro nas cercanias da cadeia submarina Vitória-Trindade.

Eventuais erros de avaliação não minimizam a grandeza do tremor de 1769, cuja presença, agora revelada, eleva significativamente o patamar sísmico da margem continental Sudeste, região de enorme importância para o desenvolvimento do país.

Continuar estudando e monitorando a área da plataforma continental é o que deve ser feito, e o eventual surgimento de um terremoto com magnitude até 7 não será uma anomalia sismológica.

 

José Alberto Vivas Veloso
Instituto de Geociências, Universidade de Brasília

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