Seria possível encontrar na natureza animais com formas e características desses fantásticos seres da ficção, capazes de voar, cuspir fogo e até falar?

Os dragões são representados em diversos livros, filmes, desenhos e séries da cultura pop com as mais variadas formas e habilidades. Alguns são capazes de voar, soltar fogo e até falar! Mas o que a ciência diria sobre isso? Os dragões da ficção poderiam existir no mundo real?

 

Quatro patas e duas asas

Grande parte dos dragões da ficção, como o Banguela (do filme Como treinar o seu dragão), o Tiamat (do desenha animado Caverna do dragão), a forma draconiana da vilã Malévola e o Smaug (do livro O Hobbit), apresentam quatro patas e duas asas. Mas será que isso seria realmente possível?

Grande parte dos dragões da ficção, como o Banguela, do filme Como treinar o seu dragão, tem quatro patas e duas asas, uma característica inviável no mundo real.
Crédito: Reprodução

Diferentemente do que ocorre em insetos, nos quais as asas não têm relação com as patas, em animais dotados de coluna vertebral, a origem evolutiva das asas se deu a partir de modificações no par de patas dianteiro, como podemos ver nas aves, morcegos e nos já extintos pterossauros. Isso quer dizer que, no mundo real, animais vertebrados podem ter ou braços ou asas, nunca os dois. Por essa razão, seria mais viável a existência de dragões como o Rabo-Córneo Húngaro (dos livros e filmes da série Harry Potter), o Smaug (do filme O Hobbit) e o trio Drogon, Viserion e Rhaegal (da série Game of Thrones), nos quais as patas da frente são as próprias asas.

O surgimento de um par adicional de membros pode até acontecer devido a mutações que afetem o desenvolvimento embrionário. Entretanto, como não há espaço anatômico para a formação de novas articulações que conectem adequadamente as patas extras com o restante do corpo, elas ficam como se estivessem ‘penduradas’, sem movimento voluntário.

 

Capacidade de voar

A maioria dos dragões da ficção é capaz de voar, o que torna esses seres ainda mais impressionantes! Mas quais características seriam necessárias para tornar essa habilidade possível?

Além da modificação dos membros dianteiros em asas, sabe-se que o reforço nos músculos peitorais, a presença de um esqueleto oco (que reduz o peso do corpo) e uma boa envergadura das asas são características que contribuíram para possibilitar o voo em aves e pterossauros. Essas adaptações (ou outras equivalentes) também precisariam estar presentes para que os dragões fossem capazes de voar.

Já os dragões voadores sem asas, como o Haku (da animação A viagem de Chihiro), o Shenlong (da série de mangás e animes Dragon Ball) e o Falcor (do filme Uma história sem fim), provavelmente não teriam a capacidade de voar no mundo real. No máximo, alguns poderiam planar, como acontece na natureza com a serpente-voadora (Chrysopelea), a partir de movimentos que alteram sua aerodinâmica, e com os lagartos do gênero Draco, que têm algumas costelas alongadas interconectadas por uma aba de pele (patágio).

 

Capacidade de cuspir fogo

Uma das características mais marcantes das representações draconianas na ficção é a capacidade de soltar fogo. Smaug e Tiamat são exemplos de como essa habilidade é explorada nos dragões da cultura pop. Mas, cientificamente falando, isso seria mesmo possível?

Não se tem conhecimento de animais na natureza capazes de soltar fogo. No entanto, o besouro-bombardeiro (Stenaptinus insignis) chega bem perto disso! Esse inseto armazena hidroquinona e peróxido de hidrogênio (água oxigenada) em seu abdômen. Quando se sente ameaçado, inicia uma reação química que resulta em um jato quente sobre quem o ataca.

Apesar de muitos dragões da ficção, como o Smaug, de O Hobbit, serem capazes de cuspir fogo, na natureza não há animais com essa habilidade. Mas o besouro-bombardeiro (Stenaptinus insignis) chega perto disso: ele solta um jato quente sobre quem o ataca
Crédito: Reprodução Ilustração Hildebrandt Bros / Foto Thomas Eisner And Daniel Aneshanley, Cornell University

Henry Gee, autor do livro A ciência da Terra Média, diz que o composto que melhor se encaixaria nesse processo para os dragões seria o éter etílico, um líquido inflamável produzido pelo aquecimento de etanol com ácido sulfúrico. Sabendo que há microrganismos que produzem etanol como resíduo metabólico e que há bactérias que excretam ácido sulfúrico, a presença de uma comunidade microbiana desses dois tipos vivendo em estruturas bucais de um dragão permitiria ao animal cuspir fogo, desde que houvesse também alguma fonte de ignição. Mas essas estruturas bucais precisariam ser muito resistentes ao calor e aos subprodutos químicos. Uma possibilidade nesse caso seria a produção pelas células de algum tipo de camada protetora, como acontece no estômago dos animais, onde o muco produzido pelas células protege o órgão da ação do suco gástrico.

 

Características menos comuns

Alguns dragões da ficção têm a capacidade de falar. Não há nenhum estudo que demonstre a possibilidade de comunicação verbal em lagartos, como aquela apresentada por Mushu (da animação Mulan), Smaug e Shenlong, por exemplo. Inclusive, há apenas um grupo de lagartos com cordas vocais, os geckos. Esse grupo é capaz de emitir sinais sonoros para atrair parceiros e assustar predadores e competidores.

No entanto, os répteis são capazes de se comunicar por meio de um rico repertório de códigos, que incluem também sinais químicos e visuais (como padrões de coloração, postura e movimento). Iguanas, por exemplo, se comunicam por meio de movimentos de porções do corpo específicas para enviar mensagens (como fazemos quando brincamos de mímica).

Há também dragões e outros seres mitológicos que têm mais de uma cabeça. Geralmente, animais com mais de uma cabeça são resultado de falhas durante as divisões das células do embrião. Também é possível que isso ocorra devido à fusão parcial de dois embriões. Há relatos de diversos animais nascidos com duas cabeças, como tartarugas, tubarões e cobras.

Tiamat, do desenho animado Caverna do Dragão, com suas cinco cabeças e uma cobra de duas cabeças, resultado de uma malformação embrionária.
Crédito: Reprodução / Foto: Pixabay

Porém, a presença dessa característica dificulta muito a coordenação do animal na busca por alimentos e na fuga de predadores. Além disso, o cérebro é um dos órgãos que mais consomem energia no corpo dos animais, então seria muito difícil conseguir alimento suficiente para sustentar dois cérebros ao mesmo tempo (imagine cinco!). O dragão provavelmente teria que passar o dia inteiro se alimentando, o que diminuiria ainda mais suas chances de sobrevivência.

Podemos concluir então que algumas características e habilidades dos dragões da ficção não seriam muito prováveis – e poderiam até ser desvantajosas – no mundo real. Algumas delas parecem ter sido inspiradas em animais reais, mas, no mundo da cultura pop, podemos usar uma pitada de imaginação para ajudar os dragões dos livros, filmes, desenhos e séries a se tornarem ainda mais interessantes e fantásticos para os seus fãs.

Você já se perguntou quais outras habilidades dos dragões seriam ou não possíveis? Tem algo a dizer sobre as características que falamos aqui? Então escreva nos comentários, para que possamos estender nossa discussão científica sobre os dragões da cultura pop!

Bianca Bosso de Medeiros Fonseca e Carolina Stefano Mantovani

Instituto de Biologia,
Universidade Estadual de Campinas

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