Você acredita em Deus ou em Darwin? Ou seja, acredita na criação dos seres vivos por um ente superior ou na evolução biológica, que torna aparentados todos os organismos, entre eles os humanos? Essas perguntas, com as quais já nos deparamos muitas vezes, trazem uma dúvida: será que esse tipo de formulação induz a resposta para certo lado?

A dúvida existe porque muitas pessoas entendem a questão mais ou menos assim: Você duvida do que Deus disse aos profetas? Nesse caso, mesmo não tendo fé religiosa, é comum as pessoas responderem de maneira a satisfazer a expectativa presumida de quem a fez. Portanto, não duvidar das palavras de Deus tende a ser, nessa situação, a alternativa mais simpática ou mais respeitosa.

Essa característica – respostas que atendem mais a expectativas presumidas do que a convicções pessoais profundas – torna suspeitas as conclusões de muitas pesquisas de opinião, realizadas em diversos países, que apresentaram a questão da evolução nesses termos.

Certos tipos de perguntas fazem as pessoas responderem de forma a atender mais a expectativas presumidas do que a convicções pessoais profundas, o que torna suspeitas as conclusões de muitas pesquisas de opinião

Em 2009, transcorreram os 200 anos do nascimento do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) e os 150 anos do livro A origem das espécies, no qual formulou a teoria da evolução, mas a Organização das Nações Unidas (ONU) dedicou aquele ano a Galileu Galilei (1564-1642) e à astronomia. Segundo a ONU, a celebração referia-se aos 400 anos do uso de um telescópio, pelo cientista italiano, para estudos astronômicos, o que trouxe descobertas científicas importantes.

Foi uma decisão surpreendente, em especial por ter sido proposta pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), organismo internacional que teve como seu primeiro presidente ninguém menos que Julian Huxley (1887-1975). Esse biólogo inglês é um ícone do evolucionismo moderno, menos por ser neto de Thomas Huxley (1825-1895) – conhecido como ‘buldogue de Darwin’ em razão da energia com que defendia as ideias deste –, mas em especial por sua contribuição intelectual para a biologia evolutiva.

É possível que o ‘esquecimento’ de Darwin nas celebrações das Nações Unidas em 2009 tenha sido mais um sucesso dos grupos que propagam o antievolucionismo e têm o declarado intento de promover ações que possam ter grande repercussão na mídia. Assim, não surpreende que no dia da celebração do aniversário de Charles Darwin, naquele ano, tenha sido divulgada uma pesquisa de opinião, realizada na Inglaterra, que teria levado à conclusão de que a maioria dos ingleses não acredita na evolução, mas em Deus.

A pesquisa, que ouviu 2 mil pessoas, foi promovida por dois institutos ligados ao movimento denominado ‘projeto inteligente’ (intelligent design), que retoma as teses de Santo Tomás de Aquino (1225-1274) e procura adaptar a contextos modernos (focalizando em especial a biologia molecular) suas “provas da existência de Deus” expressas no que ele denominava “teologia natural”. As teses de Tomás de Aquino revigoram o ‘finalismo’ do filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), que concebia as formas das diferentes partes dos seres vivos como expressão de suas finalidades, algo entendido como válido pelos defensores do projeto inteligente. Nesse modo de pensar, nada pode ser atribuído ao acaso, mas a suas causas finais (segundo Aristóteles) ou a Deus (segundo Tomás de Aquino).

Não se pretende aqui analisar essa forma de pensamento, questionar sua real intenção ou mesmo argumentar sobre como o finalismo aristotélico impede, desde a época de Darwin, a compreensão da biologia moderna. A intenção deste texto é colocar em discussão como uma enquete sobre aceitação da evolução biológica pode ser realizada induzindo respostas contrárias e adiantar os primeiros resultados de uma pesquisa – que evita compromissos com proselitismo religioso de qualquer espécie – projetada no Brasil e aplicada a estudantes do país.

Gráfico pesquisa evolução
Gráfico que mostra as respostas dos estudantes brasileiros, separados em função de sua orientação religiosa, à afirmação: “As espécies atuais de animais e plantas se originaram de outras espécies do passado.”

Como induzir respostas

A pesquisa divulgada em 2009, intitulada ‘Resgatando Darwin – Deus e a evolução na Grã-Bretanha hoje’, foi apresentada como “baseada no mais moderno e confiável conjunto de dados disponíveis (…) sobre a crença/descrença dos britânicos na evolução darwiniana”. A enquete tinha apenas uma frase (“O evolucionismo ateísta, que afirma que a evolução torna desnecessário e absurdo pensar em Deus, é…”) e oferecia cinco alternativas de resposta. A resposta mais indicada pelos entrevistados complementava a frase acima com a expressão “certamente falso” (29%), e a segunda na preferência da amostra foi “provavelmente falso” (27%).

Em meio às comemorações dos 200 anos do nascimento de Darwin e dos 150 anos de A origem das espécies, a pesquisa ganhou repercussão na grande imprensa em todo o mundo, inclusive no Brasil. As reportagens buscavam uma explicação para o fato de que, no berço do darwinismo, mais de metade da população não aceita a teoria evolutiva.

 

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Nelio Bizzo
Ana Maria Santos Gouw
Helenadja Mota Rios Pereira
Faculdade de Educação
Universidade de São Paulo

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