As dúvidas existentes no final do século 19 sobre a natureza dos neurônios e a estrutura do cérebro podem ser vistas como reflexo do lento amadurecimento da chamada teoria celular – segundo a qual os seres vivos são formados de unidades muito pequenas, as células. O estabelecimento dessa teoria, em debate desde o início daquele século, exigiu estudos de vários cientistas e avanços na técnica de microscopia.

No entanto, a simples observação nos microscópios da época, ainda rudimentares, nem sempre era suficiente para que a existência das células fosse aceita por todos. Para isso, foi necessário um conjunto de transformações históricas e conceituais, caracterizando o que é chamado de mudança de paradigma.

Essas transformações ocorreram ao longo de 200 anos, desde que o inglês Robert Hooke (1635-1703), usando um microscópio que construiu, observou e registrou, em 1663, curiosas estruturas em uma fatia de cortiça e deu a elas o nome ‘células’ (na verdade, eram paredes de células mortas).

Imagens Robert Hooke
Microscópio de Robert Hooke e estrutura celular que observou em um pedaço de cortiça. O trabalho do inglês ajudou a ampliar a aceitação pública sobre a existência das células. (fonte: ‘Micrographia’, 1665)

A teoria celular moderna, no entanto, só começaria a ser esboçada em 1839, pelos alemães Mathias Schleiden (1804-1881) e Theodor Schwann (1810-1882), e o papel das células como unidades básicas da vida só caminharia para a aceitação unânime décadas depois, com os trabalhos de Robert Remak (1815-1865) e Rudolf Virchow (1821-1902), também alemães.

Esses pioneiros defendiam que os seres vivos e suas muitas partes internas eram compostos por células. Alguns órgãos, porém, pareciam resistir a esse reducionismo. Entre esses órgãos estava o cérebro, com suas misteriosas funções.

Neurociência no século 19

O que chamamos hoje de neurociência era algo bem distinto há mais de 100 anos. A estrutura microscópica do cérebro ainda era o principal objeto de debate, e muitos cientistas acreditavam em continuidade física das fibras nervosas e não na existência de células individualizadas.

Bem no início do século 19, Franz Joseph Gall (1758-1828), mais um alemão, apresentou sua hipótese – conhecida como frenologia – sobre a localização de diferentes funções em áreas específicas do cérebro humano. Os conceitos de Gall foram contestados pelo francês Jean P. Flourens (1794-1867), que defendia a ideia de equipotencialidade do órgão (todo o cérebro estaria envolvido em qualquer função).

Ao examinar o cérebro de um paciente com sérias dificuldades de fala, após a morte deste, Broca identificou uma área lesionada e deduziu que esta era essencial nessa função

A tese da localização de funções cerebrais retornaria em 1861, com os estudos do francês Paul Broca (1824-1880) sobre o centro motor da fala. Ao examinar o cérebro de um paciente com sérias dificuldades de fala, após a morte deste, Broca identificou uma área lesionada e deduziu que esta era essencial nessa função. Outro apoio a essa tese seria dado pelos alemães Eduard Hitzig (1839-1907) e Gustav Fritsch (1837-1927): em pesquisas com cães vivos, notaram que estímulos em áreas diferentes do córtex cerebral provocavam contrações musculares em locais também distintos do corpo dos animais.

Embora em minoria no final do século 19, os defensores da equipotencialidade do cérebro ainda resistiam, liderados por outro alemão, Friedrich Goltz (1834-1902). Nesse contexto, os estudos microscópicos do cérebro pareciam acrescentar pouco ao debate, mas a situação logo mudaria, graças a dois grandes cientistas.

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Luiz Carlos Santana da Silva
Nazario de Souza Messias Júnior
Instituto de Biologia (campus de Belém)
Universidade Federal do Pará

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