O filme Distorção (no original, Alterscape, Estados Unidos, 2018) é o primeiro longa-metragem dirigido e roteirizado pelo cineasta norte-americano Serge Levin. Notavelmente, a obra ganhou o prêmio de melhor longa-metragem no Festival de Cinema de Ficção Científica Phillip K. Dick. Todavia, desconfio que Dick, renomado autor de romances clássicos de sci-fi, como O homem do castelo alto e O homem duplo, se reviraria em seu caixão ao ver seu nome associado à excrescência produzida por Levin.
Em Distorção, acompanhamos a estranha trajetória de Sam Miller (Charles Baker) após uma tentativa fracassada de suicídio, suscitada por uma depressão aparentemente insuperável decorrente da morte de seu irmão a serviço do Exército norte-americano no Iraque. Em uma suposta tentativa de curá-lo de sua aflição mental crônica, o médico John Willis (Jeffrey C. Wolf) submete Sam a uma triagem de um novo experimento neurológico, centrado no ajuste de emoções por meio da manipulação de memórias e baseado no conceito da memória da água, que propõe a noção de que a água é capaz de reter substâncias que estiveram diluídas nela, mesmo após não haver qualquer traço de tais substâncias. Esse é, na verdade, o princípio defendido por homeopatas, mas sem nenhuma base científica.
Qualquer semblante de (pseudo) ciência que o filme poderia conter para por aí, na premissa, dando lugar à estupidez generalizada. O escancarado baixo orçamento da produção de Levin não justifica a absoluta incompetência da obra em todo âmbito imaginável. O longa consegue a proeza de condensar um enredo obtuso, propelido por diálogos truncados, atuações sofríveis, uma fotografia chula e desagradável aos olhos e efeitos especiais risíveis, em tortuosos 90 minutos que mais parecem uma eternidade, a exemplo do experimento cerebral a que Sam Miller é submetido, descrito no filme como “vivenciar uma vida em uma fração de segundo”.
À medida que o tratamento (em que Sam veste uma touca conectada a um computador e entra numa espécie de ‘matrix da memória’) progride, a trama vai ficando mais e mais esdrúxula. Toda a noção do ajuste de memórias é essencialmente abandonada, em favor de uma atmosfera barata de terror, em que Sam misteriosamente adquire poderes sobrenaturais e se torna capaz de usar sua mente para levar aqueles que o contrariam ao suicídio. O efeito dos poderes telepáticos de Sam quase se estendeu a parte da plateia, que, talvez observando um instinto de autopreservação, abandonou a sessão do filme aos montes à medida que este se afundava mais e mais no ridículo.
Dentre todos os aspectos que constituem a bagunça que é Distorção, fica difícil apontar somente um destaque negativo, mas suponho que a falha mais
evidente do longa seja a ausência completa de sensibilidade dramatúrgica, refletida nas interpretações lastimáveis do elenco, mecânicas e engessadas, com a louvável exceção do veterano Michael Ironside, outrora reputado por sua participação em obras vastamente superiores de ficção científica centrada na mente humana, como Scannners: sua mente pode destruir (1981) e O vingador do futuro (1990).
A única ressalva positiva desse desastre sem pé nem cabeça é a trilha sonora, que consiste de uma junção de peças minimalistas de ambient eletrônico com faixas mais dançantes de synthwave, gênero musical popular no meio da ficção científica.
De resto, fica o questionamento quanto ao que se passava na cabeça de Levin quando concebeu esse filme que sequer risca a superfície das inúmeras ponderações pertinentes que poderiam ser feitas acerca dos mecanismos neuroquímicos subjacentes à memória e às emoções, ainda um capítulo não resolvido no estudo do cérebro humano. Só enxergo uma possível aplicação científica desse filme: um teste para avaliar até que ponto um cérebro pensante e crítico preserva sua integridade ao ser exposto a uma exibição de Distorção. Suspeito, porém, que tal experimento não seja muito ético.
Max Rumjanek
Roteirista, graduado em cinema pela Universidade Federal Fluminense
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