Programa de Pós-graduação em Urbanismo (Prourb)
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Tema recorrente no recente processo eleitoral foi o da representatividade dos eleitos. Em geral, ela é considerada fraca, sendo atestada pela baixa memória que os eleitores têm sobre em quem votaram. É verdade que o fenômeno não é de hoje, tendo sido observado também nas eleições anteriores.

Cientistas políticos e estudiosos do tema atribuem esse descompasso a muitas causas, entre as quais são lembradas o sistema de voto proporcional, o modo como as campanhas são financiadas, o desprestígio dos políticos, a influência dos meios eletrônicos de comunicação e outras tantas.

Há de se constatar o hiato entre o que se debate nas eleições e o cotidiano dos eleitores

Há de se constatar, porém, e talvez incluir entre os agravantes do fenômeno, o hiato entre o que se debate nas eleições e o cotidiano dos eleitores.

Nas eleições de 2014, por exemplo: tanto os candidatos de situação quanto os de oposição raramente trataram de matérias concretas, e importantes, da vivência do cidadão.

Exemplos clássicos

Veja-se a mobilidade. O tema esteve na pauta principal das manifestações de junho de 2013 e está presente a cada dia no sofrimento dos moradores das grandes cidades. Falou-se em mobilidade nas eleições? Esta surgiu apenas por meio de números majestosos – os “bilhões de reais” que serão investidos ou que ficaram nos escaninhos da burocracia. São abstrações, quando não se diz em quanto e como se pretende reduzir as dificuldades de quem gasta horas no trânsito.

Também é o caso da habitação. Para os 100 milhões de brasileiros que construíram suas casas nas periferias das cidades e nas favelas, e não dispõem de infraestrutura ou de serviços públicos, o que se propõe? ‘Ganhar’ uma casa do Minha Casa Minha Vida, que tem localização pior e é menos confortável? Para quem paga aluguel, que cresce além do salário, que resposta se dá?

Conjunto habitacional
‘Ganhar’ uma casa do Minha Casa Minha Vida, com pior localização, pode não ser a melhor opção para os 100 milhões de brasileiros que construíram suas casas nas periferias das cidades e nas favelas. (foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil)

Para a grande parcela de brasileiros que convivem com valas negras ou esgoto inadequado, qual é a esperança? Não é suficiente dizer que serão aplicados bilhões em saneamento, ainda que a quantia seja muito vultosa.

A eleição não é panaceia para todas as questões. Mas a ausência nos debates eleitorais dos problemas do brasileiro urbano há de contribuir para enfraquecer a representatividade e a legitimidade política dos eleitos. Há um quadro de frustração que não será superado transferindo-se para uma pauta de reforma política – por mais importante que esta seja.

Há uma pauta urbana que tem especificidade e que precisa ingressar na agenda política. Se o sistema eleitoral não é suficiente, temos que insistir: está nas instituições da sociedade, nos movimentos sociais, na academia, em nós, a defesa de sua inclusão.

Sem soluções prontas

Para a cidade contemporânea, não há resposta única, nem soluções prontas. Sabe-se, porém, que o privilégio dado ao automóvel tem consequências negativas para a vida urbana. Que o traçado de linhas de metrô não se faz como se fosse com giz em um quadro negro. Que alargar o território urbano aumenta os custos públicos permanentes. Que tirar emprego dos centros não melhora a mobilidade.

A cidade é um ser vivo, íntegro, que pede cuidado permanente e abrangente para oferecer a vitalidade capaz de fazer felizes seus moradores

Nesses temas cruciais para os cidadãos, nossas instituições de governo precisam levar um ‘banho’ de Estado. Elas, e as cidades, estão à mercê de decisões discricionárias dos eleitos, tomadas sem base em projetos consequentes e sem políticas de continuidade. Sem planejamento. E, como visto novamente agora, sem debate eleitoral.

A cidade é um ser vivo, íntegro, que pede cuidado permanente e abrangente para oferecer a vitalidade capaz de fazer felizes seus moradores.

Está na política a possibilidade de as cidades cumprirem esse papel. E, em contrapartida, talvez esteja no enfrentamento dos temas da cidade o caminho de melhor legitimar a relação entre representantes e representados.

Sérgio Magalhães 
Programa de Pós-graduação em Urbanismo (Prourb)
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Texto originalmente publicado na CH 321 (dezembro de 2014). Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista.

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