Tema recorrente no recente processo eleitoral foi o da representatividade dos eleitos. Em geral, ela é considerada fraca, sendo atestada pela baixa memória que os eleitores têm sobre em quem votaram. É verdade que o fenômeno não é de hoje, tendo sido observado também nas eleições anteriores.
Cientistas políticos e estudiosos do tema atribuem esse descompasso a muitas causas, entre as quais são lembradas o sistema de voto proporcional, o modo como as campanhas são financiadas, o desprestígio dos políticos, a influência dos meios eletrônicos de comunicação e outras tantas.
Há de se constatar, porém, e talvez incluir entre os agravantes do fenômeno, o hiato entre o que se debate nas eleições e o cotidiano dos eleitores.
Nas eleições de 2014, por exemplo: tanto os candidatos de situação quanto os de oposição raramente trataram de matérias concretas, e importantes, da vivência do cidadão.
Exemplos clássicos
Veja-se a mobilidade. O tema esteve na pauta principal das manifestações de junho de 2013 e está presente a cada dia no sofrimento dos moradores das grandes cidades. Falou-se em mobilidade nas eleições? Esta surgiu apenas por meio de números majestosos – os “bilhões de reais” que serão investidos ou que ficaram nos escaninhos da burocracia. São abstrações, quando não se diz em quanto e como se pretende reduzir as dificuldades de quem gasta horas no trânsito.
Também é o caso da habitação. Para os 100 milhões de brasileiros que construíram suas casas nas periferias das cidades e nas favelas, e não dispõem de infraestrutura ou de serviços públicos, o que se propõe? ‘Ganhar’ uma casa do Minha Casa Minha Vida, que tem localização pior e é menos confortável? Para quem paga aluguel, que cresce além do salário, que resposta se dá?
Para a grande parcela de brasileiros que convivem com valas negras ou esgoto inadequado, qual é a esperança? Não é suficiente dizer que serão aplicados bilhões em saneamento, ainda que a quantia seja muito vultosa.
A eleição não é panaceia para todas as questões. Mas a ausência nos debates eleitorais dos problemas do brasileiro urbano há de contribuir para enfraquecer a representatividade e a legitimidade política dos eleitos. Há um quadro de frustração que não será superado transferindo-se para uma pauta de reforma política – por mais importante que esta seja.
Há uma pauta urbana que tem especificidade e que precisa ingressar na agenda política. Se o sistema eleitoral não é suficiente, temos que insistir: está nas instituições da sociedade, nos movimentos sociais, na academia, em nós, a defesa de sua inclusão.
Sem soluções prontas
Para a cidade contemporânea, não há resposta única, nem soluções prontas. Sabe-se, porém, que o privilégio dado ao automóvel tem consequências negativas para a vida urbana. Que o traçado de linhas de metrô não se faz como se fosse com giz em um quadro negro. Que alargar o território urbano aumenta os custos públicos permanentes. Que tirar emprego dos centros não melhora a mobilidade.
Nesses temas cruciais para os cidadãos, nossas instituições de governo precisam levar um ‘banho’ de Estado. Elas, e as cidades, estão à mercê de decisões discricionárias dos eleitos, tomadas sem base em projetos consequentes e sem políticas de continuidade. Sem planejamento. E, como visto novamente agora, sem debate eleitoral.
A cidade é um ser vivo, íntegro, que pede cuidado permanente e abrangente para oferecer a vitalidade capaz de fazer felizes seus moradores.
Está na política a possibilidade de as cidades cumprirem esse papel. E, em contrapartida, talvez esteja no enfrentamento dos temas da cidade o caminho de melhor legitimar a relação entre representantes e representados.
Sérgio Magalhães
Programa de Pós-graduação em Urbanismo (Prourb)
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Texto originalmente publicado na CH 321 (dezembro de 2014). Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista.