Futebol e educação: uma relação necessária

O futebol é muito presente em nossas vidas. Mesmo para os que não praticam a modalidade, é quase impossível, no Brasil, ficar alheio ao ‘esporte bretão’. No dia a dia, nos deparamos com notícias, nas diversas mídias, que variam de comentários especializados sobre lances de jogos até especulações sobre a vida pessoal de jogadores. Produtos esportivos, licenciados ou piratas (uniformes, revistas, aplicativos, jogos on-line, videogames e outros) são lançados para atender a um amplo mercado de consumidores. Em ambientes públicos e particulares, há comentários sobre jogos que ocorreram no país ou no exterior, e também sobre os disputados entre amigos em campos particulares e quadras alugadas (as tradicionais ‘peladas’).

Além disso, quem nunca fez ‘corpo mole’, ‘tirou o pé da dividida’, ‘embolou o meio campo’ ou ‘pisou na bola’? Essas são apenas algumas das expressões que o futebol brasileiro legou ao nosso vocabulário. Percebe-se, assim, que são inúmeras as situações em que o futebol se faz presente em nossa sociedade e, na maioria das vezes, nem atentamos para isso, por ser algo naturalizado em nossa cultura.

O futebol apresenta-se como um fenômeno social. Isso ocorre não apenas no Brasil, mas em muitos países, o que faz desse esporte um dos mais populares do mundo e uma fonte de compreensão das sociedades urbanas

Como referência de lazer para as várias classes sociais, nas diversas regiões brasileiras, seja como praticante ou como torcedor e independentemente do gênero ou da idade dos indivíduos, o futebol apresenta-se como um fenômeno social. Isso ocorre não apenas no Brasil, mas em muitos países, o que faz desse esporte um dos mais populares do mundo e uma fonte de compreensão das sociedades urbanas.

Em 2014, o futebol teve ampliado seu espaço em nossa sociedade, pois foi realizado no Brasil o campeonato mundial de seleções nacionais: a Copa do Mundo da Federação Internacional de Futebol (Fifa). Nos meses de junho e julho, quase todas as atenções estavam voltadas para o principal evento do futebol mundial e a amplitude da cobertura sobre o evento não permitiu que fosse ignorado. 

Em 2011, o Grupo Labomídia, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), já antecipava que, ao longo dos anos anteriores à Copa no Brasil, o discurso midiático iria inserir cada vez mais o evento na agenda social do país. Em âmbito mundial, o resultado dessa previsão fica transparente no anúncio, feito na edição on-line do jornal O Globo, em 6 de maio de 2014, que metade da população mundial (cerca de 3,6 bilhões de pessoas) estaria ‘ligada’ no mundial.

 

Um tema ausente 

Um megaevento como uma Copa do Mundo de futebol gera, sem dúvida, mudanças no país que o abriga. As cidades-sedes dos jogos precisam se preparar para receber tal evento, que produz impactos nas áreas da economia, política, geografia, turismo, educação e muitas outras. Cabe destacar que foram elaboradas muitas análises sobre o campeonato, tanto positivas quanto negativas, e sob diversos aspectos (econômico, social, político, urbanístico, geográfico e outros).

Essa constatação nos leva à percepção de que o futebol não é apenas um esporte, entendido como um conjunto de regras, organizado em federações, com calendário próprio e corpo técnico específico (jogadores, treinadores e administradores) – é muito mais, já que faz conexões históricas com temas e dilemas sociais. 

Por tudo isso, deveria estar presente, de maneira reflexiva, no cotidiano escolar. No entanto, na grande maioria das escolas isso não ocorre, por conta do entendimento – presente no senso comum – de que o futebol não merece tal destaque no currículo escolar e de que esse papel já é exercido pelos meios de comunicação por meio da programação dedicada a esse esporte.

Futebol na escola
O que vem ocorrendo ao longo dos tempos é que a escola ainda não reconheceu o futebol como uma possibilidade de educação e de formação para a vida social. (foto: Valter Campanato/ Agência Brasil)

O sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1990) diz, em A busca da excitação, obra lançada em 1986, que “os estudos do desporto que não sejam simultaneamente estudos da sociedade são análises desprovidas de contexto”. É nesse sentido que o antropólogo Roberto DaMatta, um dos primeiros, no Brasil, a estudar o futebol no âmbito das ciências humanas e sociais, afirmou, no livro O universo do futebol, que “o futebol praticado, vivido, discutido e teorizado no Brasil seria um modo específico, entre tantos outros, pelo qual a sociedade brasileira fala, apresenta-se, revela-se, deixando-se, portanto, descobrir”. Daí a necessidade de vivenciá-lo, problematizá-lo e transformá-lo. 

Vemos que, em grande parte das escolas, o futebol é tratado apenas no nível da prática (o fazer pelo fazer)

Apesar das inúmeras transformações que a sociedade sofreu ao longo de sua existência, a escola ainda é a instituição que tem a função social da transmissão do saber sistematizado. No entanto, por constatações cotidianas ou por meio de trabalhos de pesquisa realizados por pesquisadores do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (Gefut), da Universidade Federal de Minas Gerais, vemos que, em grande parte das escolas, o futebol é tratado apenas no nível da prática (o fazer pelo fazer).

No ambiente escolar, é comum o futebol entrar como conteúdo da disciplina de educação física, já que esta tem os objetivos “de tematizar, de problematizar as manifestações corporais presentes no cotidiano dos/as alunos/as, de apresentar o acervo de práticas historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas, considerando não apenas a sua reprodução, mas o conhecimento de sua historicidade, a problematização, a transformação e a recriação delas”, como escreveu a educadora Ana C. Richter. 

Embora essa afirmação trate especificamente da área de conhecimento da educação física, poderia ser estendida ao conjunto das disciplinas escolares, dentro de suas especificidades. No entanto, o que vem ocorrendo ao longo dos tempos é que a escola ainda não reconheceu o futebol como uma possibilidade de educação e de formação para a vida social.

 

Você leu apenas o início do artigo publicado na CH 321. Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista e ler o texto completo.

 

Silvio Ricardo da Silva
Grupo de Estudos de Futebol e Torcidas (Gefut)
Universidade Federal de Minas Gerais
Priscila Augusta Ferreira Campos
Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação Física
Universidade Estadual de Campinas (SP)

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