Instituto de Microbiologia Paulo de Góes
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Sem os devidos créditos à sua época, Matilda Joslyn Gage, líder do movimento sufragista no século 19, torna-se lembrada por ter seu nome associado a fenômeno que descreve casos de pesquisadoras que deixaram de receber o devido reconhecimento por suas descobertas

CRÉDITO: FOTO HARVARD UNIVERSITY, SCHLESINGER LIBRARY ON THE HISTORY OF WOMEN IN AMERICA

Matilda Joslyn Gage (1826-1898) nasceu no estado de Nova York, nos Estados Unidos, e cresceu em um lar atípico para sua época. Sua casa era uma estação da chamada Underground railroad (ferrovia subterrânea) – apelido dado a uma rede de caminhos e refúgios utilizados por escravizados da África para fugirem de seus algozes em direção aos chamados “estados livres” do Norte dos Estados Unidos ou para o Canadá.

O pai de Matilda, o abolicionista e médico Hezekiah Joslyn (1797-1865) foi quem educou a filha com o propósito de que se tornasse também médica. Mas, naquela época, as faculdades de medicina de Nova York não aceitavam mulheres. Matilda era culta e excelente oradora, direcionou seus esforços e inteligência para se tornar uma líder dos movimentos feminista e sufragista. Em 1870, publicou o artigo “A mulher como inventora”, no qual questionava o dogma de que as mulheres não tinham inventividade ou criatividade. Neste artigo, listou uma série de contribuições e invenções feitas por mulheres estadunidenses. Em 1883, republicou o artigo incluindo críticas às restrições legais impostas às mulheres em relação a seus direitos a patentes. Embora seja um nome emblemático na luta pela igualdade de direitos e por todas as suas contribuições no movimento sufragista, hoje Matilda é lembrada por outro motivo: o “efeito Matilda”.

Embora seja um nome emblemático na luta pela igualdade de direitos e por todas as suas contribuições no movimento sufragista, hoje Matilda é lembrada por outro motivo: o “efeito Matilda”

Nomear é preciso

A responsável pela notoriedade de Matilda Joslyn Gage foi outra mulher extraordinária, a historiadora Margaret Rossiter (1944-). Em 1993, ela cunhou o termo “efeito Matilda” para descrever os casos de pesquisadoras que, por preconceito e machismo, deixaram de receber crédito por suas descobertas científicas. Os créditos pelas descobertas dessas cientistas mulheres vítimas do efeito Matilda invariavelmente acabaram desviados para colegas homens.

Rossiter havia lido o artigo de Matilda Gage no início da década de 1990, e, em 1993, foi a uma conferência científica onde diversos autores mostraram suas próprias incursões na história da ciência, revelando vários resultados científicos obtidos por mulheres que nunca receberam crédito. Em uma entrevista para a publicação estadunidense “Smithsonian Magazine”, ela disse ter percebido que um movimento nascia naquele momento, e decidiu que esse fenômeno precisava receber um nome. Ela disse para si mesma: “Você precisa nomear isso. Terá um impacto maior no mundo do conhecimento do que se você apenas disser que aconteceu”. Rossiter estava certa. Em 1993, publicou o artigo “The Matthew Matilda effect in science” – um jogo de palavras com o já descrito “efeito Matthew”, segundo o qual cientistas de mais fama levam o reconhecimento pelo trabalho de cientistas iniciantes sob sua tutela. De lá pra cá, novos casos de cientistas mulheres invisibilizadas pelo efeito Matilda têm sido revelados, e a preocupação com esse fenômeno por parte das universidades e centros de pesquisa se tornou algo real.

Os créditos pelas descobertas dessas cientistas mulheres vítimas do efeito Matilda invariavelmente acabaram desviados para colegas homens

A lista de Rossiter

Além desse artigo seminal, Margaret Rossiter fez um trabalho de pesquisa extenuante, no qual trouxe à tona o nome de inúmeras cientistas americanas, de todas as áreas do conhecimento, que haviam sido esquecidas pela história. Ela publicou esse compendio em 1982, em um livro chamado “Women scientists in America: Struggles and strategies to 1940”. Além de jogar luz sobre o trabalho de magnificas cientistas, Rossiter contou as histórias de superação e as estratégias que elas utilizaram para ter acesso ao mundo da ciência, que, por muito tempo, foi quase exclusivo dos homens.

Mulheres eram sistematicamente proibidas de frequentar cursos superiores em universidades, consequentemente não poderiam lecionar ou ser contratadas por universidades e centros de pesquisa. Quando entravam para o meio acadêmico, não tinham acesso a financiamento para seus projetos e, frequentemente, não podiam participar de conferências e eventos científicos, além de serem preteridas em empregos e cargos na academia. Ao revelar esses fatos, Margaret Rossiter escancarou a desigualdade nas carreiras científicas, o que por sua vez forçou as instituições de ensino e pesquisa a repensarem seu papel, levando ao início de uma grande reforma.

A trava segue

É importante frisar que esse movimento de reforma segue longe do ideal. Apesar do progresso, mulheres ainda sofrem com o efeito Matilda e a desigualdade de oportunidades nas carreiras da ciência. Estudiosos já relataram que homens e mulheres julgam artigos científicos que tem homens como principais responsáveis como mais importantes no seu campo de pesquisa.  Além disso, tanto homens como mulheres mostram preferência por cientistas homens como possíveis futuros colaboradores. Estudos realizados no Brasil detectaram uma diferença significativa em relação à distribuição de bolsas de pesquisa para cientistas com doutorado, e no valor do financiamento repassado a cientistas mulheres.

Em grande parte do século 20, a produção científica foi dominada por homens brancos. Para ficarmos somente na questão de mulheres cientistas, muitas foram impedidas de ocupar cargos de chefia, posições de prestígio em universidades ou liderar grupos de pesquisa. Chegamos ao século 21 e o cenário ainda não é de pleno respeito à igualdade de direitos. Segue a luta. Chega de Matildas.

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