No mundo atual, somos constantemente alertados por todos os meios de comunicação da necessidade de sermos fisicamente ativos, de preferência por toda a vida, para mantermos bons níveis de gordura corporal, metabolismo saudável, teor mineral ósseo adequado e um grau de aptidão para realizar as tarefas do dia a dia que nos permita uma boa qualidade de vida.
Da mesma maneira, não há um dia sequer em que não sejamos inundados de imagens coloridas e em câmera lenta de cenas esportivas de impressionante beleza, ou por atos heroicos de atletas de todas as etnias e nações, seja em terra, na água, no ar. Atletas que terminam por incorporar o papel, nem sempre desejável, de símbolos de estética e sucesso, que encarnam o espírito de países inteiros.
O apelo para a prática de atividades físicas é grande, assim como o apelo para a formação de atletas jovens, pela conhecida importância dessa prática, ou pelo simples desejo de cada jovem de, um dia, se tornar mais um daqueles heróis nacionais.
Independentemente de qualquer motivo, é enorme a procura por atividades esportivas pela população jovem, desde a infância. Além disso, a educação física é disciplina obrigatória nas escolas de quase todos os países, inclusive o Brasil. Nesse contexto, porém, podemos colocar perguntas interessantes. Qual seria realmente o sentido da prática de atividades físicas nessa faixa etária? Quais os benefícios possíveis? E qual a quantidade de atividade física necessária para que benefícios para a saúde se tornem evidentes?
Por outro lado, há riscos? O que acontece com o corpo de um jovem quando se torna um atleta de alto rendimento, submetido a programas de treinamento em geral realizados por adultos? Ou simplesmente quando uma criança realiza uma sessão de exercícios? Se houver riscos, quais são? E o mais importante, o maior desafio: como trabalhar com esses indivíduos, para que se tornem adultos saudáveis e ativos? Ou, se o objetivo é a formação de atletas, qual é o melhor caminho, os melhores métodos?
Crianças versus adultos
Crianças apresentam algumas diferenças importantes, em relação a adultos, na resposta fisiológica ao exercício agudo – ou seja, ao momento em que o exercício está sendo realizado. Quase todas essas diferenças dependem do nível de maturação biológica individual: as respostas, de início diferentes, tendem a assumir aos poucos o padrão de resposta dos adultos, à medida que ocorre essa maturação, no decorrer da puberdade. No entanto, o papel exato da maturação biológica na determinação da maturação das respostas fisiológicas ao exercício permanece pouco conhecido até hoje. As principais diferenças serão apresentadas a seguir.
No exercício realizado em intensidade máxima, crianças apresentam frequência cardíaca máxima (número máximo de batimentos por tempo) maior que a de adultos, mas, para qualquer intensidade de exercício, a frequência cardíaca também é sempre superior em crianças. Alguns pesquisadores acreditam que isso acontece porque as crianças têm um coração menor. Por isso, o volume sistólico (quantidade de sangue ejetado pelo coração a cada batimento) seria menor entre elas e, assim, a frequência cardíaca seria maior, para atingir um adequado débito cardíaco (volume de sangue bombeado pelo coração em um minuto).
Entretanto, estudos com ecocardiografia de esforço em crianças e adultos com níveis semelhantes de condicionamento aeróbico revelaram que, quando o volume sistólico e o débito cardíaco são relativizados pela área de superfície do corpo (um modo de normalizar variações nas dimensões corporais), as diferenças desaparecem.
Aparentemente, portanto, crianças não teriam ‘desvantagem’ em relação a adultos quanto à capacidade circulatória central. Entretanto, a frequência cardíaca maior em crianças, para qualquer intensidade de exercício, deve ser sempre considerada.
Crianças tendem a apresentar maior ventilação pulmonar (volume de ar que circula por minuto nos pulmões) que adultos quando submetidas a qualquer tipo de esforço, embora não haja qualquer limitação para a saturação de oxigênio na hemoglobina, no sangue arterial, para qualquer intensidade de exercício, inclusive o máximo. As razões para esse maior ‘custo’ ventilatório durante o exercício em crianças permanecem obscuras.
Além disso, principalmente em atividades de caminhada e corrida, crianças tendem a uma pior economia de movimento que adultos – isso significa que, para uma dada intensidade de exercício, o consumo de oxigênio para a realização da tarefa é maior nas crianças.
Todas essas características somadas talvez possam explicar a maior percepção subjetiva de esforço em crianças, quando realizam exercícios contínuos. Isso quer dizer que, sempre que solicitada a fazer uma caminhada intensa ou uma corrida contínua, a criança classifica aquele exercício como mais cansativo do que um adulto o faria, caso se exercitasse na mesma intensidade.
Finalmente, sabe-se que as crianças, de modo geral, suam menos que adultos ao se exercitar em ambientes quentes, já que produzem menos suor por glândula sudorípara.
A produção de suor somente atinge níveis adultos durante a puberdade. Assim, a capacidade da criança de regular a temperatura do corpo por evaporação é menor que a do adulto: em um ambiente quente, ela precisa perder calor pelos processos de condução (perda direta por diferença de temperatura entre o corpo e o ambiente) e convecção (perda quando o corpo é submetido a uma corrente de ar). Nas crianças, a maior superfície corporal (em relação à massa corporal) facilita a dissipação de calor por condução quando a temperatura do ambiente não está elevada. Se esta, porém, se aproximar da temperatura média da pele (cerca de 35°C), as crianças podem ficar mais suscetíveis que os adultos à redução significativa de desempenho físico ou à elevação descontrolada da temperatura corporal (hipertermia).
Luciano Sales Prado
Departamento de Educação Física
Universidade Federal de Minas Gerais