Tudo indica que uma molécula possa evitar que um fato desagradável se torne uma memória associada ao medo. O resultado, se confirmado, pode ter aplicações na área de psiquiatria.
A formação de memórias ligadas ao medo envolve a formação de novas conexões entre os neurônios em uma região do cérebro denominada núcleo lateral da amígdala. Estudos anteriores haviam mostrado que proteínas denominadas efrinas, ao se ligarem a seus receptores no cérebro, contribuem para o processo.
Agora, Raphael Lamprecht e Monica Dines, da Universidade de Haifa (Israel), investigaram a atividade de uma efrina específica – efrina A4 – na consolidação de memórias de longo prazo relacionadas ao medo. Primeiramente, a dupla produziu em laboratório a pep-efrina A4, molécula que imita a atividade da efrina A4.
A dupla injetou a pep-efrina A4 no cérebro de roedores – no núcleo lateral da amígdala – cerca de 30 minutos antes de os animais escutarem um som e, em seguida, receberem um choque leve e inócuo nas patas. Ou cerca de 1 hora depois de serem condicionados ao medo (som mais choque). Nessas duas situações, animais do grupo-controle receberam uma injeção de substância inócua na mesma região cerebral.
A ação da pep-efrina A4 é a seguinte: ela se liga ao receptor da efrina A4, evitando, assim, que uma memória de longo prazo ligada ao medo se consolide.
Cerca de 24h após a aplicação das injeções, os dois grupos de roedores foram testados para a situação estressante (som e choque). Aqueles que haviam recebido efrina A4 sentiram menos medo, se comparados aos do grupo-controle. Esses resultados estão em Translational Psychiatry.
A pep-efrina A4 não ‘apaga’ a memória de longa duração relacionada ao medo. Ela apenas evita sua consolidação. Lamprecht explicou à Ciência Hoje que, nas duas situações (antes e depois do condicionamento), “essas memórias não estão ainda consolidadas”. Os autores ressaltam que a efrina A4 não atua na aquisição de memórias de curta duração.
Estresse pós-traumático
Tanto a pep-efrina A4 quanto o receptor dessa molécula no cérebro podem ser um bom ponto de partida para a busca de novos tratamentos para a ansiedade ou estresse pós-traumático (EPT), dizem os autores.
Fica tentador extrapolar o uso desses resultados para aplicações militares. Sabe-se que soldados que enfrentam situações perigosas nos combates podem desenvolver EPT. Então, um cenário – ainda que futurístico – seria injetar efrina A4 nos combatentes antes de uma possível situação estressante ou logo depois, para evitar que memórias de longa duração relacionadas ao medo se consolidem. Ou seja, o soldado sentiria medo, mas não ‘lembraria’ dele – pelo menos, não com tanta intensidade.
Cabe lembrar, porém, que os experimentos foram feitos em ratos. Portanto, ainda não se sabe se os resultados valem para humanos.
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 320 (novembro de 2014). Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista.