Exposição em escolas abre a possibilidade para que alunos revelem ancestralidade sem receio de discriminação e com sentimento positivo de identificação

O ensino da temática indígena nas escolas é uma questão delicada, mesmo em locais onde estas populações parecem estar bem distantes. Minhas reflexões sobre o assunto se iniciaram em 2005, quando lecionava em São João de Meriti, cidade da região metropolitana do Rio de Janeiro. Eu tinha um aluno que era apelidado de “Japa” por seus colegas devido aos seus olhos puxados. Ele, na verdade, tinha origem indígena, mas preferia manter esta identidade escondida. Anos mais tarde, cursando o mestrado profissional em ensino de história, decidi desenvolver um material didático que atendesse a lei 11.645/08, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura indígena em todas as escolas do ensino básico. Foi assim que tive a oportunidade de entender que a história do menino dos olhos puxados (ou amendoados) não era tão incomum quanto parecia, mesmo em grandes centros urbanos como o Rio de Janeiro e municípios vizinhos.

A presença de indígenas em cidades ainda gera muito estranhamento, tendo em vista a constante reprodução de estereótipos na mídia, na literatura e até mesmo nas escolas. A esta população atrelam exclusivamente um determinado modo de viver, como o de habitar nas florestas. Estereótipos e preconceitos associados aos povos indígenas partem de concepções evolucionistas e eurocêntricas, que interpretam as sociedades a partir de uma escala hierárquica onde os povos originários estariam nos primeiros estágios evolutivos. A ideia de aculturação, que entende que um povo supostamente inferior é assimilado por outro supostamente superior, também reforça a dificuldade de compreensão de indígenas vivendo nas cidades, convivendo junto do restante da sociedade brasileira sem abandonar suas identidades étnicas. 

 

Presença nas cidades

Cabe destacar que a presença de indígenas em cidades é anterior à chegada de Colombo e Cabral nas Américas. Lembremos que fica no Peru o sítio arqueológico de Caral Supe, a cidade mais antiga já conhecida do continente, contemporânea das civilizações do Egito Antigo e da Mesopotâmia. No Brasil, indígenas sempre estiveram nas cidades desde a criação dos primeiros assentamentos urbanos. No Rio de Janeiro, foram fundamentais na defesa da cidade, além de serem mão de obra na realização de obras públicas, entre elas o Aqueduto da Carioca, atualmente um dos mais conhecidos cartões postais da cidade, os Arcos da Lapa. 

Do início da colonização portuguesa aos dias de hoje, diversas fontes comprovam que indígenas nunca deixaram de estar presentes nos centros urbanos. De acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2010, o Brasil possui 817.963 indígenas autodeclarados, dos quais 315.180 residem nas cidades. Na região metropolitana do Rio de Janeiro, 12.037 pessoas se autodeclararam indígenas. Na escola onde trabalhava durante o mestrado, na cidade de Duque de Caxias, a questão indígena se mostrou presente não só no nome do bairro onde está localizada, Parque Capivari, que na língua tupi significa rio das capivaras. Em uma pesquisa que realizei entre os alunos do segundo segmento do ensino fundamental, 51% se declararam descendentes indígenas, sendo que vários afirmaram que eram filhos, netos ou bisnetos de indígenas. 

 

Conexão com a realidade

A partir desta realidade invisível das escolas públicas da região metropolitana do Rio de Janeiro, entendi a necessidade de não só ensinar sobre a diversidade e a legitimidade das diferenças, como de combater preconceitos e estereótipos no que se refere ao ensino das populações indígenas. Também era importante estar atenta à possibilidade da existência de alunos indígenas ou descendentes nas salas de aula, e ajudá-los no reforço e recriação de suas identidades étnicas, a fim de fortalecê-los e auxiliá-los no enfrentamento das diversas violências sofridas por indígenas no Brasil, seja nas cidades ou nas aldeias.

Pensando nisso, criei uma exposição itinerante composta de cinco banners, que versam sobre indígenas nas cidades. Inspirada em um seminário chamado ‘Somos indígenas, mas não somos invisíveis’, organizado pelo Instituto dos Saberes dos Povos Originários Aldeia Jacutinga, uma instituição indígena de Duque de Caxias que tem entre suas missões promover a cultura indígena na cidade, a exposição tem como objetivo dar visibilidade as populações indígenas na cidade e combater preconceitos. 

Os indígenas são retratados na exposição em vários momentos e situações. Na alusão ao passado, temos a reprodução das pranchas, de autoria do pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), que mostram as caboclas lavadeiras no bairro do Catete e o índio guarani que servia de soldado de infantaria no Rio de Janeiro. No presente, aparecem em instituições indígenas que atuam na região metropolitana do Rio de Janeiro, como a Aldeia Maracanã, a Aldeia Jacutinga e o grupo Sementes da Terra, por exemplo. Também são retratados momentos em que estão “invisíveis” nas cidades – trabalhando como professores, pedreiros, ou simplesmente passeando – e outros em que estão expondo ou recriando suas identidades, promovendo encontros, palestras, cantando, dançando ou fazendo suas pinturas corporais.

Os resultados desta exposição nas escolas por onde passou sempre foram positivos, possibilitando um diálogo produtivo entre os alunos sobre a proximidade das populações indígenas. Muitos estudantes se mostraram surpresos com imagens de indígenas no cotidiano da cidade e passaram a entender que para ser indígena não precisa morar em aldeia, estar pintado e usar adereços de pena. Outros comentaram que conheciam indígenas e relataram as diferenças e semelhanças que viam entre indígenas e não indígenas. Por fim, a exposição abriu a possibilidade para que alguns alunos falassem sem medo de discriminação sobre sua ancestralidade, possibilitando reforçar um sentimento de identificação positiva nestes jovens, e assim contribuir para combater o etnocídio das populações indígenas que chegam às cidades.

Thais Elisa Silveira
ProfHistória/Uerj
Orientadora: Márcia de Almeida Gonçalves

*Este artigo é resultante de tese premiada no Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória)
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