As populações mais vulneráveis, incluindo idosos e pessoas com as mais variadas comorbidades, sofreram – e ainda sofrem – as piores consequências da pandemia da covid-19. Mesmo aqueles ditos saudáveis não ficaram de fora dos efeitos da nova doença – aqui nos referimos àqueles considerados verdadeiros sinônimos de saúde e força: os atletas.
Entender como suas vidas foram impactadas pela pandemia pode trazer informações valiosas para a solução de problemas futuros e tomadas de decisão ao longo de suas carreiras. As consequências não se resumem, apenas, aos problemas da infecção viral propriamente dita; as feridas abertas durante esse período demorarão a cicatrizar.
A instalação da pandemia trouxe um cenário complexo de grandes desequilíbrios no ambiente costumeiramente controlado do esporte de alto rendimento. Afetou todo o planejamento anual dos atletas; principalmente, daqueles que estavam contando os dias para os Jogos Olímpicos de Tóquio.
Academias e centros de treinamento foram fechados por tempo indeterminado e muitos atletas ficaram confinados em suas casas. Isso teve efeito, também, na população geral, porque impediu que milhares de pessoas praticassem atividades físicas regulares, ligando um alarme para o agravamento do problema do sedentarismo em nível mundial, uma questão de saúde pública.
Um estudo retrospectivo conduzido pelo grupo de Ana Rodriguez-Larrard, com estudantes espanhóis de 16 universidades, reuniu por volta de 14 mil indivíduos, mostrando reduções importantes, de 29,5%, nas atividades físicas moderadas e, de 18,3%, nas mais vigorosas no período de confinamento, com aumento significativo do tempo de sedentarismo em cerca de 52% dessa população. E, para piorar, os patamares anteriores ainda estão longe de serem recuperados, atualmente.
Com os atletas privados de treinamento, a preocupação das equipes esportivas estava focada em se evitar a perda do condicionamento físico, o que poderia resultar em um destreinamento severo. Com a falta de treinos, a força muscular e a capacidade cardiorrespiratória diminuem consideravelmente nesses atletas, colocando em risco todo um ciclo preparatório.
Somadas às limitações físicas, vieram à tona vários problemas psicológicos que passaram a ser centrais para terapeutas desportivos, concentrados em controlar e evitar distúrbios de ansiedade e depressão, identificados em muitos atletas afastados de suas rotinas físicas intensas.
Mesmo com a criação de soluções remotas de treinamento e atendimento mental, o objetivo era minimizar prejuízos, uma vez que não havia possibilidade de resolver o problema sem retomar a rotina usual normalmente exigida e que cada modalidade em particular necessita. Muitos estavam imersos nessa nova realidade na qual precisavam se adaptar a uma nova luta contra o relógio para se evitar a perda de tudo o que tinha sido construído até aquele momento. Era o início de um pesadelo!
Mas nem todos os atletas foram submetidos às mesmas condições ao redor do mundo, uma vez que a pandemia afetou o planeta de maneira heterogênea. Havia destreinamento e confinamento só para alguns. A igualdade, um dos sete valores do olimpismo, estava em xeque.
O prejuízo na performance e o risco de se contrair a covid-19 seriam imensos, caso os jogos acontecessem, tanto para quem se arriscava a treinar em condições sem proteção garantida, quanto com a realização dos jogos em si, uma vez que não havia previsão de vacinação da população mundial contra o novo coronavírus naquele momento.
Por fim, uma grande mobilização de atletas e federações esportivas de várias nações fez com que o Comitê Olímpico Internacional adiasse os jogos para julho de 2021 e, mesmo assim, após muita resistência. A medida trouxe alívio para a comunidade atlética; principalmente, para aquelas nações com dificuldades estruturais para manter a integridade das rotinas de treinos de seus atletas, duramente afetadas pelas ondas da pandemia seguintes.
No entanto, parece que as grandes forças esportivas mundiais conseguiram se manter em forma com resultados expressivos nas poucas competições que aconteceram no calendário. Para ilustrar, somente em 2020, foram 11 recordes mundiais quebrados na natação, em piscina não olímpica (25 metros), pelos Estados Unidos, Austrália, Holanda, China e Rússia. Além de quatro novas marcas estabelecidas no atletismo. Isso levanta a expectativa de termos um dos jogos olímpicos mais desiguais de todos os tempos e ainda mais dominado pelas grandes nações.
Com o retorno gradual de algumas ligas esportivas, tivemos o surgimento de outra epidemia, a de lesões. O alto preço da inatividade começava a ser cobrado. A pressa de se recuperar os prejuízos financeiros impostos pela pandemia, somada a calendários de jogos apertados, fez com que pré-temporadas fossem quase inexistentes, forçando o retorno de atletas sem o preparo mínimo para as exigências físicas de cada modalidade.
Como exemplo, na primeira divisão do futebol alemão, as lesões em jogadores aumentaram três vezes em relação aos anos anteriores. Em grande parte, aconteceram na primeira rodada, após o período de confinamento da população, em 2020.
Assim, inevitavelmente, começaram também os surtos de infecção pelo novo coronavírus em equipes esportivas. Apesar das chances de complicação da covid-19 serem reduzidas no grupo de alto rendimento em atividade, ninguém estava imune.
Os retornos aos treinos e competições trouxeram questões que merecem ser analisadas com cuidado. Primeiro, surge a preocupação porque a prática de exercício físico de alta intensidade em grupo aumenta as chances de contaminação com o novo coronavírus através das vias respiratórias – principal porta de entrada desse patógeno no nosso organismo.
Durante exercícios vigorosos, um atleta pode mobilizar uma quantidade de ar 30 vezes maior por minuto do que uma pessoa em repouso. Logo, apresenta maior potencial de espalhar o vírus no ambiente ao redor se estiver contaminado ou de inalá-lo para partes mais profundas do pulmão. Não à toa, as doenças mais comuns em atletas afetam o trato respiratório, como resfriados ou gripe.
Além disso, o exercício exaustivo pode abrir janelas de oportunidades para infecções virais mais comuns em atletas não-competitivos ou naqueles que estejam retornando de inatividade. Estamos falando de um aumento de duas a seis vezes no risco de infecções do trato respiratório, conforme mostrou o clássico estudo do Dr. David C. Nieman em corredores avaliados nas semanas seguintes às provas de maratona (42,2 km) e ultramaratona (90 km).
Essa maior vulnerabilidade se daria por desequilíbrios imunológicos e inflamatórios, provocados pelo aumento da liberação de hormônios ligados ao estresse físico, como adrenalina e cortisol, que inibem o funcionamento das células de defesa. Esse tipo de informação reforça a necessidade de cuidados redobrados após competições longas ou períodos intensos de treinamento que exijam mais do que o físico desse indivíduo pode dar.
Mas, temos que deixar claro que a falta de exercícios regulares contribui muito mais para infecções respiratórias e problemas de saúde. Os inúmeros benefícios das atividades físicas regulares, de variadas intensidades, estão associados à diminuição das chances de complicação da covid-19, porque fortalecem o sistema imune, aumentam as capacidades respiratórias e reduzem a inflamação sistêmica, o que ameniza o dano pulmonar potencialmente causado pelo novo coronavírus.
Apesar de serem beneficiados por um organismo mais forte, os atletas podem sofrer bastante com as mazelas da infecção. Uma vez instalado no seu hospedeiro, o SARS-CoV-2, causador da covid-19, é capaz de desencadear reações inflamatórias de grau variado, afetando vários órgãos, como rins, sistema nervoso central, fígado, trato gastrointestinal, coração e, mais pronunciadamente, o sistema respiratório.
Problemas respiratórios são fatores de risco críticos para a severidade da covid-19 e, como ser atleta não significa ser saudável, aqueles que possuem condições respiratórias crônicas precisam ter cuidado. Curiosamente, a prevalência de asma e reatividade brônquica induzida pelo exercício em atletas de alto rendimento costuma ser maior do que se imagina.
Um estudo da Universidade de Kent, no Reino Unido, mostrou que 67% de nadadores de nível internacional apresentaram aumento da reatividade brônquica quando submetidos a esforço em ambiente irritativo, no caso, em piscina clorada, sendo que cerca de 10% desses competidores faziam tratamento para asma.
Vale lembrar que, em março de 2020, o sul-africano Cameron van der Burgh, com então 31 anos de idade e campeão olímpico de natação, ficou internado em um centro de terapia intensiva durante 14 dias para tratamento da covid-19. Ele acabou se recuperando, mas seu caso foi uma grande mensagem ao mundo esportivo do quanto atletas deveriam se cuidar.
Em sua grande maioria, os atletas que contraem o novo coronavírus, quando não se mostram assintomáticos, desenvolvem a forma mais branda da covid-19 e apresentam sinais e sintomas de infecção de vias aéreas altas, como febre, inflamação de garganta, perda de olfato, coriza, dor no corpo e tosse, podendo evoluir para danos ao nível do trato respiratório mais baixo, chegando aos brônquios e pulmões. Nesses casos, é sabido que existe uma grande chance de se desenvolver lesão pulmonar em grau mais baixo, com possibilidade razoável de pneumonia. Assim, pode haver necessidade de internação para acompanhamento, mas a mortalidade se mostra bem menor em relação aos indivíduos sedentários.
A inflamação causada pelo vírus é capaz de afetar não somente os alvéolos como também os vasos sanguíneos pulmonares, diminuindo a troca gasosa nessas áreas e dificultando a distribuição de oxigênio para o corpo. Apesar de ser o mais afetado durante a infecção na covid-19, o sistema respiratório tem grande capacidade de recuperação e traz poucas sequelas em longo prazo para os grupos assintomáticos ou de grau leve. O problema se agrava em indivíduos que apresentaram quadro mais severo da doença, em que pode existir formação de fibrose pulmonar, o que dificulta bastante a recuperação.
O retorno do atleta recuperado da covid-19 ao treinamento merece muita atenção e precisa ser seguro, pois é nessa fase que muitos sentem as limitações impostas pela doença. O grau dos sintomas na fase inicial da infecção parece ser crítico para as fases futuras. Se o atleta referia fadiga excessiva, suas chances de retornar aos treinos de maneira íntegra se reduzem em 70% durante os 40 dias sequentes. Cansaço, fraqueza muscular, dor no peito e tosse pronunciada são recorrentes e grandes limitantes ao retorno e podem seguir por semanas a meses – condição conhecida como síndrome pós-covid.
O Colégio Americano de Cardiologia recomenda que o retorno se dê após 10 dias sem que o atleta refira queixa ou sintoma algum pós-covid e que passe por uma avaliação médica cardiológica multidisciplinar criteriosa. O novo coronavírus também se mostra capaz de se infiltrar na camada muscular do coração e promover danos irreversíveis, levando à miocardite ou inflamação desse músculo. Um grande estudo liderado pelo Dr Curt Daniels, envolvendo cerca de 1.600 atletas recuperados da covid-19, oriundos de 10 das maiores universidades norte-americanas, mostrou que cerca de 2,3% deles apresentavam achados clínicos de miocardite. Isso traz a preocupação sobre o risco desses atletas de apresentarem uma parada cardíaca induzida pelo intenso esforço, algo que os pesquisadores ainda não conseguiram quantificar.
Como a covid-19 é uma doença recente, os efeitos em longo prazo ainda vão ser desvendados nas mais variadas áreas das ciências da saúde.
As Olimpíadas não terão público e usarão um esquema sanitário de bolha de proteção, como foi adotado em 2020 pela liga de basquete norte-americana NBA, quando nenhum dos mais de 350 jogadores foi contaminado pelo vírus durante a competição. No entanto, a dimensão dos jogos de Tóquio é muito maior, o que exigirá testagem diária de cerca de 11 mil atletas e 4,5 mil para-atletas durante suas permanências no país. A notícia boa é que pelo menos 80% deles deverão estar vacinados para garantir mais segurança biológica, além de todas as práticas protocolares de higiene, distanciamento e proteção.
Impedir o número de novos casos no esporte ainda é a grande missão enquanto as populações não estão vacinadas, mesmo que a maioria dos atletas não corra risco de morte. O aumento do contágio pode colaborar com o surgimento de novas variantes virais, com consequências inesperadas na população. Portanto, vale lembrar: todo cuidado ainda é pouco!
Luiz Prota
Doutor em Ciências
Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Johns Hopkins, EUA
Divulgador científico, autor do blog e podcast O cientista do esporte
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