Como se formam as tempestades de areia?

Elas se formam em área de baixa umidade relativa do ar (inferior a cerca de 20%), pouca cobertura vegetal e solos arenosos. Essas condições são geralmente encontradas em desertos ou semidesertos, onde ventos turbulentos são capazes de colocar areia e poeira em suspensão a altas atitudes por várias horas. 

Tudo começa com o intenso aquecimento da superfície do solo, que, por sua vez, rompe a camada de ar frio sobrejacente, induzindo diferenças de pressão e movimento turbulento do ar. O fenômeno costuma ser mais comum no verão e na primavera, quando as temperaturas aumentam e se acentuam o contraste térmico entre o solo e as camadas de ar sobrejacente. O tamanho da partícula em suspensão depende da velocidade do vento, mas, via de regra, não ultrapassa um milímetro de diâmetro. Tempestades de areia do tipo haboobs (ou habub) são mais turbulentas e se formam pelo contraste intenso de temperatura, com ventos de até 130 quilômetros por hora, que induzem a formação de grandes paredões de areia – causando danos em casas, redes elétricas, perda de solo e redução significativa da visibilidade. 

Uma vez em suspensão na atmosfera, a poeira, por ser menos densa e permanecer mais tempo “flutuando”, podem atingir regiões muito distantes do planeta, levando consigo microrganismos e nutrientes aderidos a elas. A poeira vinda do deserto do Saara para o bioma Amazônico, por exemplo, exerce papel crucial na biodisponibilidade de nitrogênio – um nutriente essencial à manutenção da vida em diversos ecossistemas. Por outro lado, as poeiras podem também funcionar como via de dispersão geográfica de microrganismos para outras áreas, podendo inclusive fomentar fenômenos de bioinvasão e desequilíbrios ecossistêmicos. 

Qual a relação das tempestades de areia/poeira com as mudanças climáticas?

As tempestades de areia se formam essencialmente em desertos, onde a umidade relativa do ar é baixa, a cobertura vegetal é escassa e a disponibilidade de areia é alta. Contudo, áreas não desérticas do planeta têm experimentado esse fenômeno, cuja ocorrência se relaciona a grandes contrastes de temperatura associados à perda de cobertura vegetal e solos arenosos altamente susceptíveis à erosão. 

É fato que as mudanças climáticas têm aumentado a magnitude e a frequência de eventos extremos de seca – no Brasil, por exemplo, foram registradas secas recentes no Pantanal e no Cerrado. O evento extremo de seca do Pantanal, em 2020, esteve fortemente associado ao aumento anômalo da temperatura das águas do Atlântico Norte que, por sua vez, fomentou uma temporada histórica de furacões, funcionando com um “aspirador de umidade”, induzindo secas em outras áreas. Além disso, o aumento do desmatamento na Amazônia pode também ter relação com eventos extremos de seca na região Sudeste, visto que o desflorestamento reduz a evapotranspiração e a intensidade dos “rios voadores” (umidade que drena da Amazônia para o sudeste).  

Eventos de seca e temperatura extremas associados a desmatamentos e queimadas parecem ter favorecido a ocorrência recente de tempestades de areia (do tipo haboobs) em São Paulo e em Goiás. Além de reduzir a cobertura vegetal, deixando o solo desprotegido, as queimadas aumentam a disponibilidade de partículas finas, que podem ser facilmente colocadas em suspensão por ventos turbulentos. Além disso, eventos extremos de temperatura favorecem contrastes térmicos maiores com a chegada de massas de ar mais frias e, portanto, favorecem as tempestades e o forte movimento convectivo do ar. Isso aumenta a probabilidade de tempestades de areia, especialmente se a cobertura vegetal foi perdida por queimadas e os solos são arenosos. Por fim, vale destacar que, no cenário atual, tais eventos tendem a ser tonar mais intensos e recorrentes – o que nos convida a refletir sobre como amenizar os impactos da ação humana sobre a natureza.

 

Ricardo Gonçalves Cesar

Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza
Instituto de Geociências
Universidade Federal do Rio de Janeiro

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