Um sistema regulatório comprometido com a inovação

Universidade Católica de Brasília e
Universidade de Brasília

As regras para avaliação e registro de novos medicamentos, equipamentos e insumos da área da saúde humana precisam acompanhar os avanços científicos mundiais para permitir que esses produtos inovadores cheguem mais rapidamente à população

CRÉDITO: IMAGEM ADOBE STOCK

Fazer pesquisa translacional significa, em resumo, colocar no mercado um produto inovador, seja por meio de desenvolvimento local ou por transferência de tecnologia. No Brasil, na área da saúde humana, existe um desafio crônico de percorrer o caminho desde a pesquisa e o desenvolvimento iniciais até o registro e disponibilização do produto – seja ele um medicamento ou equipamento – para a população. Nesse processo, há uma etapa anterior ao registro que, muitas vezes, o desenvolvedor conhece pouco ou desconhece: a questão regulatória. Essa falta de conhecimento faz com que muitos projetos tecnológicos não cheguem ao mercado.

 No Brasil, todo produto da área da saúde humana deve ser registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para isso, ele precisa cumprir todos os requisitos de boas práticas de produção e comprovação de eficácia e segurança. Caso contrário, perdem-se recursos, trabalho e tempo, e o país sofre as consequências disso. 

No caso dos chamados Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) de medicamentos à base de organismos geneticamente modificados (OGMs), como vários tipos de vacinas, moléculas para produção de medicamentos contra o câncer (anticorpos monoclonais), contra diabetes (insulina) e outras doenças, bem como produtos para terapia gênica, o processo regulatório inclui ainda uma etapa de avaliação de risco de biossegurança, que, no Brasil, é feita pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). A CTNBio discute, regulamenta e delibera sobre OGMs e seus derivados à luz da Lei de Biossegurança n.º 11.105, de 2005. A comissão é composta por especialistas das áreas de saúde humana, animal, vegetal e ambiental e, juntamente com os órgãos de registro e fiscalização – Anvisa, Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – acompanha o desenvolvimento da biotecnologia aplicada aos diferentes segmentos da economia (saúde humana, agronegócio, saúde animal e ambiental). 

O sistema regulatório deve estar sempre alinhado com o desenvolvimento científico e tecnológico nacional e internacional e, dependendo de sua estrutura e de seu funcionamento, pode inibir ou estimular a inovação. No Brasil, o sistema regulatório para registro dos produtos da área de saúde humana é robusto e está harmonizado com o de outros países produtores e/ou consumidores.

O sistema regulatório deve estar sempre alinhado com o desenvolvimento científico e tecnológico nacional e internacional e, dependendo de sua estrutura e de seu funcionamento, pode inibir ou estimular a inovação

Um exemplo de como o sistema regulatório vem acompanhando o progresso científico é o caso da edição gênica, uma tecnologia desenvolvida recentemente que permite alterar trechos do código genético de qualquer organismo vivo (microrganismos, plantas, animais e até humanos) e desenvolver diversos produtos biotecnológicos de interesse socioeconômico. Hoje já temos no mercado microrganismos, animais e plantas editados geneticamente – não se admite a edição de genes humanos por questões éticas.

Acontece que, no processo de edição genética desses organismos, pode ser que não seja inserido nenhum fragmento de DNA de outro organismo. Portanto, eles podem ser considerados não-OGMs (conforme Resolução Normativa n.º 16 da CTNBio). A CTNBio possui arcabouço regulatório para esses produtos desde 2018 e já conferiu o ‘selo’ de não-OGM para vários produtos, após análise detalhada de cada um deles. Nesses casos, o produto pode ser registrado como um produto convencional tanto na Anvisa quanto no Mapa, não necessitando passar por todos os testes de biossegurança exigidos pela Lei de Biossegurança n.º 11.105/2005 para OGMs. Isso diminui muito os custos do desenvolvimento de produtos inovadores na etapa regulatória, permitindo que empresas de menor porte também participem.

Outra mostra da evolução de nosso sistema regulatório na área de saúde humana pôde ser vista recentemente com a chegada ao Brasil de produtos inovadores em terapia gênica. Em 2019 e 2020, chegaram ao país os primeiros produtos avaliados e liberados para comercialização pela CTNBio: o Luxturna, para tratamento de degeneração macular; e o Zolgensma, para tratamento de pacientes pediátricos com atrofia muscular espinhal. Hoje, o número e a finalidade desses produtos aumentaram, e muitos deles já estão em uso no Brasil e no mundo. Mas, nos anos 1990 e 2000, a terapia gênica ainda era coisa de ficção científica. Se o nosso sistema regulatório não estivesse alinhado com esse avanço científico, não seria possível fazer a concessão do registro desses medicamentos de vanguarda e de altíssimo custo. Essa, aliás, é outra questão que deveria ser tratada como etapa crítica da pesquisa translacional, considerando não apenas o indivíduo, mas sim a sociedade como um todo.

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