Pesquisa constata o “apagamento” das plantas no ensino de biologia e propõe sequências didáticas alternativas, com materiais de fácil acesso, para despertar o interesse de estudantes e professores.

A sobrevivência humana depende de uma rede de interações entre os organismos vivos e o ambiente. Para a manutenção de tais interações é essencial a preservação e a valorização de todos os seres vivos. Apesar disso, observando-se o valor dado aos diferentes grupos de organismos, percebe-se que alguns seres vivos são mais valorizados que outros por despertar maior interesse e/ou apelo emocional nas pessoas.

Uma prática: anatomia vegetal, a organização da estrutura foliar

As folhas fazem parte do esquema básico de organização das plantas, tanto que qualquer estudante se lembraria delas caso lhe solicitassem ilustrar um vegetal. Assim, a nossa sugestão de sequência didática sobre anatomia vegetal utiliza como recursos: a ‘aula passeio’, uma proposta do educador francês Célestin Freinet (1896-1966), e a montagem de um modelo tridimensional da lâmina foliar, considerando que esses modelos, de acordo com o biólogo brasileiro Gregório Ceccantini, estimulam o estudante a refletir sobre estrutura e forma, melhorando a compreensão tridimensional do material em análise.

O modelo a ser construído permitirá a visualização do plano organizacional das folhas, das diferentes camadas de células existentes e da presença dos estômatos e vasos condutores, possibilitando ao estudante uma compreensão que dificilmente seria possível sem o uso de equipamentos, que poucas escolas possuem.

Já na ‘aula passeio’, propomos a visita a um local que apresente exemplos típicos da vegetação local. Esse contato com o ambiente natural permite ir além do contato visual, possibilitando que os estudantes tenham contato com os aromas, as texturas e se encantem com a diversidade de espécies vegetais presentes.

No ensino, a situação não é diferente. Quando se pensa sobre o grupo dos vegetais, organismos essenciais à sobrevivência humana e demais espécies animais, percebe-se que há muito a ser feito para melhorar a aprendizagem e despertar o encantamento dos estudantes pelas plantas, começando pela metodologia utilizada no ensino dos conteúdos sobre botânica na Educação Básica. Frequentemente, a forma como esse objeto de estudo é conduzida deixa de despertar o interesse e curiosidade dos estudantes, sobretudo quando se tem o ensino centralizado no livro didático.

Diversas pesquisas sobre o ensino de botânica têm apontado para a necessidade de revisão da prática docente e maior valorização das plantas no currículo das disciplinas de ciências e biologia. Percebe-se assim que o processo de ensino de grande parte das escolas acaba por fortalecer o fenômeno da “cegueira botânica” – termo cunhado, em 2002, pelos cientistas e professores americanos James H. Wandersee e Elisabeth E. Schussler –, que se refere à não percepção dos vegetais como seres vivos componentes do ambiente, principalmente na presença concomitante de animais.

Poderíamos afirmar que no processo de ensino de biologia há um “apagamento” das plantas na comparação com os animais. Como resultado, temos o desestímulo à aprendizagem da botânica. É nesse sentido que venho propor um novo olhar ao ensino dos vegetais, uma revisão das práticas pedagógicas para estimular o protagonismo dos estudantes e fornecer ferramentas didáticas importantes para a superação das dificuldades encontradas pelos professores na abordagem da botânica.

Na prática, analisamos as concepções de professores e alunos do Ensino Médio quanto aos conteúdos e metodologias utilizadas nas aulas sobre botânica. Com base nesta análise, o objetivo era buscar proposições didáticas para o processo de ensino. Como o estudo se desenvolveu na região do Mato Grosso, nossa proposta didática usou a vegetação do bioma cerrado, considerando-se que é imprescindível a imersão dos estudantes na compreensão da botânica regional para sua valorização e conservação.

Modelo tridimensional da estrutura foliar

A partir de dados coletados com professores de biologia, foram reunidas informações sobre as metodologias didáticas utilizadas e as dificuldades enfrentadas no processo de ensino da botânica. Para os alunos, foram aplicados questionários com o propósito de obter informações sobre os diversos aspectos do processo de ensino/aprendizagem da referida área. A fim de analisar a percepção vegetal no ambiente, testamos o já citado conceito de “cegueira botânica” na expectativa de que os resultados apontassem caminhos para a elaboração de propostas didáticas alternativas, que permitissem dinamização no ensino da botânica.

Falta de recursos para a realização de aulas de campo e de materiais para aulas práticas foram apontados pelos professores como um desafio para o trabalho pedagógico. Cabe destacar que a maioria não demonstrou receio ou aversão aos temas botânicos, embora tenha ficado evidente que o uso da vegetação típica da região fosse feito de maneira esporádica. Ressalta-se, ainda, que todos os docentes se mostraram receptivos a participar de cursos específicos sobre botânica para tornar suas aulas mais atrativas aos alunos.

Estudantes em ‘aula passeio’

Com o cruzamento das informações, observou-se que, mais do que um curso, existe a necessidade de uma formação continuada que favoreça a iniciação da investigação científica no ensino da biologia. Verificou-se também a extrema importância da garantia de recursos financeiros para a promoção de atividades de ensino motivadoras – aquelas que envolvem práticas de contato direto dos estudantes com o objeto de estudo, despertando, assim, a curiosidade pelo mundo da ciência.

Em relação aos estudantes, pode-se dizer que apresentaram conhecimento botânico satisfatório, tendo evidenciado maior interesse na aprendizagem diante de aulas em laboratório e a campo. Para testarmos o conceito de “cegueira botânica”, foram mostradas aos alunos três imagens contendo plantas e animais em interação. Em seguida, foram solicitados a descrevê-las. Cerca de 90% dos estudantes utilizaram somente os nomes dos animais para descrever as imagens, revelando a necessidade de reflexão docente em relação ao ensino das plantas, sobretudo no sentido de colocá-las no mesmo plano de importância dos animais no processo pedagógico.

Diante dos dados, foi possível elaborar sequências didáticas que resultaram no projeto ‘Botânica no cerrado’, que confirmou propostas de trabalhos para as práticas pedagógicas, dando origem a uma cartilha de mesmo nome. Na cartilha são apresentadas seis sequências didáticas, com diferentes conteúdos de botânica trabalhados no Ensino Médio, indo desde a importância das plantas até propostas de aulas sobre os grandes grupos de vegetais.

Os materiais necessários à elaboração e aplicação das aulas são de fácil acesso para os professores e as propostas de atividades priorizam o protagonismo estudantil, a utilização da “sala de aula invertida” (conceito que propõe o contato do estudante com determinado conteúdo antes da aula sobre ele) e inserção da investigação científica nas aulas de biologia.

Espera-se que a utilização das sequências didáticas disponíveis na cartilha amplie as percepções das interações entre os organismos vivos e posicionem os vegetais na mesma categoria de relevância dos animais no estudo da biologia, favorecendo a busca pelo equilíbrio e pela preservação ambiental.

Robson Aparecido dos Santos e Rogério Benedito da Silva Añez

Universidade do Estado de Mato Grosso

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