Mamífero e dinossauro em batalha pela vida

Museu Nacional/ UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleontólogos encontram dinossauro e mamífero entrelaçados em camadas geológicas de 125 milhões na China; o achado, considerado espetacular, indica uma rara evidência de interação entre esses animais durante o período Cretáceo

Ilustração recria o embate entre o mamífero Repenomamus robustus e o dinossauro Psittacosaurus lujiatunensisileiros

CRÉDITO: MICHAEL W. SKREPNICK, CORTESIA DO CANADIAN MUSEUM OF NATURE.

A China continua surpreendendo com descobertas absolutamente fantásticas. Paleontólogos de instituições chinesas e canadenses, liderados por Gang Han, da Hainan Vocational University of Science and Technology, na província chinesa de Hainan, descreveram um indivíduo da espécie de mamífero Repenomamus robustus encontrado sobre um exemplar do dinossauro Psittacosaurus lujiatunensis. Os fósseis foram descobertos em 16 de maio de 2012, na região de Lujiatun, na província de Liaoning, onde afloram as rochas da formação geológica Yixian, mais especificamente da unidade conhecida como membro Lujiatun. Estas camadas foram depositadas há 125 milhões de anos e se destacam devido à boa preservação de fósseis encontrados em rochas decorrentes de atividades vulcânicas, chamadas de Pompeia Chinesa em alusão à cidade italiana que foi recoberta por cinzas do Vesúvio no ano 79 d.C.

A importância da descoberta, publicada com destaque pela revista Scientific Reports, do grupo Nature, está em se tratar de um raro caso de interação entre vertebrados fósseis. Além disso, segundo os autores, o mamífero, de tamanho menor, estava predando um dinossauro, de porte maior, o que contraria estudos prévios sobre a relação entre esses dois grupos durante a era Mesozoica. 

A comprovação da interação entre dois organismos no registro paleontológico é bastante rara. Quando fósseis são encontrados lado a lado, nem sempre se pode ter a certeza se eles interagiam quando vivos. Além disso, interações entre mamíferos e dinossauros, que coexistiram desde a sua origem há aproximadamente 230 milhões de anos, foram, até o final do Cretáceo, sempre com mamíferos vivendo à sombra daqueles répteis. Somente depois da grande extinção em massa provocada pela colisão de um asteroide com a Terra, na qual foram dizimados, entre outros, os dinossauros não-avianos, os mamíferos prosperaram e passaram a ser mais dominantes nos ecossistemas.

O achado de Gang Han e colegas, no entanto, aparentemente contradiz esses dados. Segundo os autores, no exemplar estudado por eles, foi o mamífero Repenomamus que atacou o dinossauro Psittacosaurus, o que tem chamado bastante a atenção da comunidade científica.

Predador ou necrófago?

Psittacosaurus é o fóssil de vertebrado mais comum nos depósitos de Lujiatun. Era uma forma de dinossauro possivelmente bípede que se alimentava de plantas. No caso do exemplar estudado por Gang Han e colegas, o animal estava completo, tinha quase 1,2 metro de comprimento e um crânio de 18 cm. A sua massa corporal é estimada em aproximadamente 11 quilos e, quando morreu, teria idade entre 6.5 e 10 anos.

O mamífero pertence ao gênero Repenomamus, que é conhecido por duas espécies: R. robustos e R. giganticus. Segundo os autores, o exemplar encontrado é da espécie R. robustos, a menor das duas. Esse indivíduo tinha um comprimento de 46,8 cm, com um crânio de 9,1 cm, e representaria, segundo os autores, um animal jovem que estava próximo a alcançar o tamanho final de um adulto. A sua massa é estimada entre 3,5 a 4,8 kg. Como se pode observar em todas as medidas, o mamífero era cerca de três vezes menor do que o dinossauro que, supostamente, predava. Apesar de serem reportados nos ecossistemas atuais situações onde um predador solitário ataca uma presa muito maior, tal fato é incomum.

Repenomamus robustus e o dinossauro Psittacosaurus lujiatunensis travados em um combate mortal antes de ambos serem enterrados por um fluxo de detritos vulcânicos há 125 milhões de anos. Escala= 10cm

CRÉDITO: GANG HAN

Gang Han e colegas apresentaram excelentes argumentos de que a interação entre os dois exemplares era real: ambos esqueletos estão praticamente completos, o que sugere pouco ou nenhum transporte do local onde eles morreram. Ou seja: eles estavam juntos em vida. Dados mineralógicos indicam que ambos foram repentinamente sepultados por um fluxo de detritos vulcânicos. Até esse ponto, não existem maiores discussões. O problema é a interpretação de que o mamífero estava predando o dinossauro. A alternativa seria que o mamífero estivesse se alimentando de um dinossauro já morto, o que é típico dos animais necrófagos e muito mais comum na natureza.

Entre os argumentos apresentados no estudo em favor à predação estão o fato de o mamífero estar posicionado sobre o dinossauro. Também foi verificado que a mão do mamífero estava segurando a mandíbula do dinossauro, e o seu pé esquerdo prendia a perna do outro animal. Por último, seus dentes foram encontrados penetrando ossos do braço esquerdo do Psittacosaurus. Os autores defendem que o mamífero possivelmente estava se alimentando de um dinossauro combalido e ferido, mas ainda não morto, uma estratégia que animais desenvolvem quando existem outros que possam “roubar” o seu alimento. Também argumentam que já foi encontrado um exemplar de Repenomamus, da espécie R. giganticus, com conteúdo estomacal contendo filhotes de Psittacosaurus (Ver Ciência Hoje nº 216, junho de 2005). Ou seja, esses mamíferos já teriam desenvolvido um certo apetite pelos dinos…

Exercitando o espírito crítico que é sempre muito importante para todo cientista, não estou bem convencido da questão do ataque. Não apenas porque o Repenomamus era um terço do tamanho do dinossauro, mas, também, por não haver como descartar a possibilidade de que esse mamífero estivesse procurando se alimentar de um dinossauro já morto – algo que animais fazem comumente nos dias de hoje. Se houvesse mais de um Repenomamus, se poderia pensar em ataque de um bando, que é a estratégia mais utilizada por animais menores para derrubar presas de grande tamanho. A preparação do fóssil revelou que a mandíbula do Repenomamus estava em contato direto com as costelas do dinossauro. No caso de um ataque, seria de se esperar que a boca do mamífero estivesse avançado na região do pescoço do dino e não no tórax ou barriga.

Mesmo com essa diferença de interpretação, que é compartilhada por alguns pesquisadores, fato que a descoberta é fantástica! Depois desse achado, todos acreditam que novos exemplares mostrando a interação entre diferentes vertebrados serão encontrados.

A descoberta é fantástica! Depois desse achado, todos acreditam que novos exemplares mostrando a interação entre diferentes vertebrados serão encontrados

Confesso que minha imaginação corre solta e fico pensando se os pterossauros, grupo de répteis alados que eu estudo, não poderiam também ter se alimentado de pequenos vertebrados, quem sabe filhotes de dinos e também de mamíferos, uma suspeita difundida no meio sem nenhuma comprovação direta… Vamos torcer para que as pesquisas em terras chinesas nos brindem com mais achados magníficos como este.

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