Será que filmes e quadrinhos falam sobre os elementos químicos com a precisão científica do mundo real?

Qual foi a última vez que você escreveu um texto? Já parou para pensar na quantidade de palavras que conseguimos formar com apenas 26 letras do nosso alfabeto? Já parou para pensar que você pode mudar a ordem das letras de uma palavra e formar outra de significado completamente diferente?

Na natureza, ocorre algo muito parecido. Toda a matéria que conhecemos é formada por partes muito pequenas chamadas de átomos. Existem átomos de vários tipos diferentes: de hidrogênio, de oxigênio, entre outros. Esses tipos de átomos, que possuem diferentes propriedades, são o que chamamos de elementos químicos.

Assim como as 26 letras do alfabeto são capazes de formar várias palavras, os 118 elementos químicos que conhecemos podem se agrupar de formas diferentes e gerar um número inimaginável de materiais. Se você unir vários átomos de oxigênio, por exemplo, você obtém o gás oxigênio. Se você unir dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, você obtém uma molécula de água.

Mas será que os filmes e quadrinhos utilizam a ciência dos elementos químicos de forma cientificamente correta?

A kriptonita, que representa a maior fraqueza do Super-homem, tem composição química muito semelhante à da jadarita, mas as características desses dois minerais são bem diferentes

Tony Stark e a síntese do ‘badássio’

Se você acompanha os filmes da Marvel Comics, deve saber que o famoso Homem de Ferro não é apenas um herói que combate as ameaças à Terra. O homem debaixo da armadura, Tony Stark, é um genial cientista, que já fez descobertas de ponta na área tecnológica.

Em Homem de Ferro, Stark percebe que estava sendo envenenado pelo elemento químico paládio, que alimentava um reator instalado em seu peito e dava energia para suas armaduras. O cientista, então, faz alguns experimentos no acelerador de partículas de sua garagem e consegue sintetizar um novo elemento químico, o ‘badássio’, previamente teorizado pelo seu pai, também cientista. A partir de então, ele começa a utilizar esse elemento e suas armaduras passam a ficar ainda mais poderosas e a consumir mais energia.

No mundo real, os elementos químicos de fato são sintetizados de uma forma muito parecida. Por meio de aceleradores de partículas, os cientistas provocam uma colisão de átomos de dois diferentes elementos químicos com a intenção de fundi-los e gerar um novo elemento.

Uma das dificuldades de lidar com elementos sintéticos é o fato de eles serem mais pesados e, por consequência, mais instáveis. Na tabela periódica, todos os elementos que estão depois do urânio (cujo núcleo possui 92 prótons) são tão instáveis que praticamente nenhum deles existe mais na Terra. Se, em algum momento, eles existiram, a maior parte já se transformou em outros elementos mais leves. Assim, quando os cientistas conseguem sintetizar elementos novos (como é o caso dos transurânicos – ou seja, os elementos mais pesados que o urânio), eles duram frações de segundo.

O problema é que a tabela periódica já está totalmente preenchida até o oganessônio (com 118 prótons no seu núcleo), o que leva os cientistas a acreditarem que é pouco provável que ainda exista algum elemento desconhecido que seja estável. Ou seja, se Tony Stark realmente tiver descoberto um elemento químico novo, ele provavelmente seria muito pesado e não teria estabilidade para se manter nem por um centésimo de segundo.

 

A kriptonita no mundo real

Criada a partir dos restos do planeta fictício Krypton, a kriptonita é um mineral, geralmente esverdeado, que tem algum grau de radioatividade e representa a maior fraqueza do Super-homem. Mas de que esse mineral é feito?

No filme Superman – o retorno, de 2006, é possível ver, em um recipiente contendo um meteorito com kriptonita, a seguinte descrição da composição química: sódio, lítio, boro, silicato, hidróxido e flúor. Isso significa que, ao menos no contexto daquele filme, a kriptonita não é um novo elemento químico, mas um mineral formado por átomos de vários elementos químicos bem conhecidos.

Um ano depois do lançamento do filme, o mineralogista Chris Stanley, do Museu de História Natural de Londres, declarou à imprensa que existe um mineral, chamado jadarita, cuja composição química é muito parecida com a da kriptonita, com a diferença de que lhe falta o elemento flúor. No entanto, em vez de verde, a jadarita é branca, não é muito rígida, não é radioativa e, até onde sabemos, não veio do planeta do Super-homem. Será que, se acrescentarmos átomos de flúor a esse mineral, chegaremos à perigosa e radioativa kriptonita? Pouco provável, porque os dois minerais são materiais muito diferentes. Mas, assim como você pode usar um mesmo conjunto de letras para formar palavras diferentes, também é possível usar um mesmo conjunto de elementos químicos para formar materiais diferentes. Quem sabe não é esse o caso da kriptonita?

A condição sob a qual um material é gerado influencia na maneira como os átomos irão se agrupar. Certamente, o planeta Krypton tem características muito diferentes da Terra, como pressão atmosférica, temperatura, umidade etc. E essa diferença pode ser o suficiente para que elementos químicos iguais se combinem de formas completamente diferentes.

Se vários átomos de carbono se juntarem, por exemplo, eles podem formar o grafite, um material preto, opaco e bom condutor de eletricidade. Porém, se esse mesmo material for submetido a uma altíssima pressão, os mesmos átomos de carbono formam um valioso diamante, translúcido e extremamente duro.

Assim, é razoável pensar que a kriptonita pode ter sido gerada em condições muito extremas de pressão e temperatura, seja do planeta Krypton, seja do próprio meteorito que a trouxe até a Terra.

Em resumo, se é improvável que Tony Stark tenha criado um elemento químico novo e estável, sobre a kriptonita nada podemos afirmar. Afinal, se ela de fato existir, há boas explicações científicas que justifiquem o fato de ela ter a composição química mostrada no filme, mas nunca ninguém ter conseguido criá-la na Terra.

Lucas Miranda

Editor do blogue Ciência Nerd
Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor),

Universidade Estadual de Campinas

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