Impactos em ambientes de mar profundo

Instituto Oceanográfico, Universidade de São Paulo
Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano, Rede Ressoa Oceano

Ainda cheia de mistérios a serem desvendados, região é ameaçada por atividades humanas como despejo de lixo plástico, exploração de petróleo e minérios

CRÉDITO: FOTO ADOBE STOCK

O oceano cobre 71% do planeta. A maior parte desse oceano, compreendida entre 200 metros e quase 11 mil metros de profundidade – o ponto mais fundo –, é conhecida como mar profundo. Para nós, habitantes da superfície, essa região pode parecer um lugar sem relevância e muito distante, mas é o maior ecossistema do planeta, e está “logo ali”.  Sua exploração científica começou há menos de 150 anos, e ainda há muitos mistérios a serem desvendados. Um fato indiscutível, porém, é que esse ecossistema marinho tem sofrido impactos das atividades humanas.

Até o final do século 20, o uso do mar profundo seguia uma abordagem de “o que os olhos não veem, o coração não sente”, aproveitando a natureza remota da região para permitir o despejo – aparentemente inconsequente – de resíduos tóxicos. Apesar de esses resíduos parecerem “sumir”, muitos deles ficaram por décadas (ou mais!) associados ao sedimento, como antibióticos, munições e materiais radioativos produzidos por testes nucleares. Talvez o lixo mais relevante do ponto de vista histórico seja o clínquer, um subproduto tóxico da queima do carvão usado como combustível em embarcações a vapor, comuns a partir do final do século 18. Até hoje as áreas de despejo de clínquer sofrem impactos ecológicos pela alteração da estrutura da comunidade.

Até o final do século 20, o uso do mar profundo seguia uma abordagem de “o que os olhos não veem, o coração não sente”, aproveitando a natureza remota da região para permitir o despejo – aparentemente inconsequente – de resíduos tóxicos

CRÉDITO: FOTO ADOBE STOCK

Outro tipo de lixo jogado por embarcações é o doméstico. Esse descarte é proibido desde os anos 1970, mas ainda são frequentes os despejos ilegais. No caso dos plásticos, muitas vezes arrastados por centenas de quilômetros oceano afora, o problema é mais grave porque esses materiais carregam aditivos químicos e poluentes orgânicos. Itens plásticos pequeníssimos, microplásticos (menores que 5 mm) e nanoplásticos (menores que 0,001 mm) levam esses contaminantes a pontos ainda mais distantes e profundos. Por exemplo, recentemente uma fibra de politereftalato de etileno, conhecido como PET,  foi encontrada,  há mais de 6 mil metros de profundidade, em uma nova espécie de anfípoda, batizada de Eurythenes plasticus. Uma vez ingeridos, os plásticos transferem os poluentes aos organismos, muitos dos quais são alvos da pesca.

Anfípoda Eurythenes plasticus

Devido à sobrepesca em regiões próximas à costa, e acompanhando o estabelecimento das Zonas Econômicas Exclusivas em todo o mundo, muitas frotas pesqueiras se dirigiram para águas mais distantes para compensar a perda de território. Essa mudança resultou em um aumento do esforço pesqueiro no talude continental – região de inclinação acentuada que termina na planície abissal. Entre os organismos-alvo no Brasil estão camarões, caranguejos, lulas e peixes, como merluza, congro-rosa e cação-bico-de-cristal.

Como a exploração pesqueira tem acontecido de maneira significativa, muitos danos já são irreversíveis. Um exemplo? As destruidoras redes de arrasto, que engolem e estilhaçam recifes de coral e esponjas milenares, transformando regiões do fundo do mar em um campo de destroços.

Lophelia

Além da exploração de recursos animais, a “conquista” do mar profundo está na indústria da prospecção e da exploração mineral e petrolífera. No Brasil, por exemplo, 70% do óleo e do gás são produzidos a partir de reservatórios em profundidade. E embora no momento da perfuração do substrato os impactos já sejam significativos, contaminando a comunidade de fundo com os fluidos de perfuração, os riscos mais severos vêm de derrames acidentais. Em 2010, a sonda Deepwater Horizon liberou 5 milhões de barris de óleo cru no Golfo do México ao longo de quatro meses – até que finalmente o vazamento foi interrompido.

No Brasil, por exemplo, 70% do óleo e do gás são produzidos a partir de reservatórios em profundidade

CRÉDITO: FOTO ADOBE STOCK

O desenvolvimento de novas tecnologias e o aumento da procura por alternativas aos recursos em terra têm levado à busca por minérios raros também no fundo do mar. Entre os mais visados estão os nódulos polimetálicos, as crostas de ferro-manganês ricas em cobalto e os depósitos de sulfetos polimetálicos. E mesmo não sendo possível saber se os lucros compensariam o altíssimo custo de investimento e manutenção, esse tipo de mineração começará em breve, pois o código internacional que rege a atividade está em processo de finalização. Além de matar organismos que habitam essas formações rochosas e produzir poluição sonora que pode afetar até baleias, a mineração também gera grandes plumas de sedimento que asfixiam organismos filtradores e impedem a comunicação por bioluminescência, comum na escuridão. E, ambientes que levaram milhões de anos para se estabelecerem podem desaparecer em algumas horas.

Nódulos polimetálicos

Da mesma forma que em terra, a exploração do oceano produz impactos que vão além da esfera local, a exemplo do plástico que pode flutuar por milhares de quilômetros da sua região de origem e acabar voltando para o prato dentro de um pescado contaminado. Assim como a Amazônia, o mar profundo é visto sob uma perspectiva de abundância e vastidão de diferentes recursos à espera de exploração. E se essa visão não for transformada, com as pressões atuais, áreas e organismos de mar profundo serão perdidos antes que possam ser estudados, entendidos e valorizados, assim como os benefícios que podem proporcionar, como o sequestro de carbono e a bioprospecção.

Assim como a Amazônia, o mar profundo é visto sob uma perspectiva de abundância e vastidão de diferentes recursos à espera de exploração

*A coluna Cultura Oceânica é uma parceria do Instituto Ciência Hoje com a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo e com o Projeto Ressoa Oceano, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

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