Pé na areia e reflexão na beira do mar

Instituto Oceanográfico
Universidade de São Paulo
Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano

Curtir, relaxar, descansar são verbos que conjugamos quando pensamos em um dia na praia, mas as atividades humanas de lazer e turismo ameaçam a sobrevivência desses ecossistemas: proteger também é preciso

CRÉDITO: FOTO ADOBE STOCK

As praias representam, em nosso imaginário, um lugar para descansar e repor as energias. Não à toa, o Brasil é associado à beleza de suas praias. Basta lembrar que, todo feriado, uma multidão se desloca para aproveitar os dias livres à beira-mar. As praias são também “porta de acesso” para o mar, e muitas comunidades tradicionais se desenvolveram em suas proximidades, pela facilidade do acesso e da saída de embarcações para a pesca. No entanto, essa importância social e cultural das praias tem um preço cada vez mais alto. 

A histórica associação das praias como áreas de descanso e lazer perpetuou a noção desse ecossistema como um espaço recreativo, em detrimento da biodiversidade e da manutenção de serviços ecossistêmicos. Até as ações de manejo realizadas nessas áreas são direcionadas para a conservação do ambiente como um local para turismo. E muitas dessas práticas são incompatíveis com a sustentabilidade. 

As praias abrigam rica e endêmica biodiversidade. Nelas, diversos grupos de vertebrados e invertebrados vivem enterrados, na superfície do sedimento, à deriva ou nadando na coluna da água. A fauna visitante utiliza a praia para alimentação, proteção e reprodução. Há também os benefícios que as praias promovem, como a proteção da costa contra eventos extremos, a função de berçário para estágios juvenis de espécies estuarinas e de alto mar, a provisão de recursos pesqueiros, a retenção e filtragem de água, entre outros. Tudo isso está ameaçado em decorrência das atividades humanas.

Um levantamento global indica que a maior parte das praias se encontra em processo erosivo, ou seja, está perdendo suas áreas. Processos naturais podem gerar erosão – como a intensificação de tempestades –, mas ela é amplificada por ações antrópicas, como obras de engenharia que alteram a dinâmica sedimentar (muros de orla, instalações portuárias ou “engordamento” das faixas de areia). Esse cenário ainda poderá ser agravado com os efeitos das mudanças climáticas, como o aumento do nível do mar e a ocorrência de eventos extremos. A ocupação humana nas faixas de areia ou nas partes superiores das praias, processo histórico que ocorreu em grande parte das cidades litorâneas, limita a adaptação desses ambientes, ainda mais em regiões urbanizadas.

Associadas à urbanização, ações humanas locais são fontes importantes de impacto para a biodiversidade. Estas podem ser originadas pelo pisoteamento, atropelamento e compactação causados pelos veículos; pelo descarte irregular de lixo; pelo tráfego de embarcações; pela poluição de rios que deságuam nas praias ou do descarte direto de esgoto – cenário ainda comum no litoral brasileiro, uma ameaça à saúde do ambiente e de seus frequentadores. Muitas vezes, por ações das correntes, a poluição gerada em uma praia chega a praias conservadas e com pouca urbanização. Há também a sobre-exploração de algumas espécies para uso como iscas ou alimento, como o caso do corrupto, do berbigão e do siri. Até mesmo atividades para a atração dos turistas, como a limpeza de folhagens ou algas, gera um impacto negativo para organismos que dependem desses detritos como fonte de alimento. 

Assim, diversas são as fontes de impacto em praias, e promover ações capazes de reduzi-las é um desafio. Claro que não pretendemos culpar àqueles que planejam descansar à beira-mar. O lazer e o turismo podem ser compatíveis com um ecossistema funcional. Mas, para tal, é necessária uma mudança na visão desse ambiente, ampliando a conscientização das pessoas sobre a importância das praias e diminuindo o impacto das ações individuais, como produção e descarte irregular de lixo, tráfego de veículos na faixa de areia e coleta de indivíduos da fauna e flora. Um exemplo de como conscientizar as pessoas é intensificar a educação ambiental.

Mas a mudança precisa ir além. Deve incorporar as praias como ecossistemas nas políticas públicas para regular o uso e a ocupação de seu entorno. Assim, teremos a oportunidade de não apenas proteger a biodiversidade, mas também retribuir todos os bons momentos que vivemos e que, com a proteção adequada, ainda viveremos por muito tempo nas praias.

*A coluna Cultura Oceânica é uma parceria do Instituto Ciência Hoje com a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo e com o Projeto Ressoa Oceano, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

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