Pterossauros são um dos grupos que mais fascinam as pessoas. Com as formas mais antigas documentadas em rochas de aproximadamente 220 milhões de anos, esses répteis alados foram os primeiros vertebrados a desenvolverem o voo ativo. Os seus últimos registros datam de camadas depositadas perto do final do período Cretáceo, há aproximadamente 68 milhões de anos, quando desapareceram sem deixar descendentes. Algumas espécies eram do tamanho de pardais; outras ultrapassaram a envergadura alar de 12 metros, o que as torna os maiores animais voadores que já existiram.
Entre as principais controvérsias relacionadas aos pterossauros está a sua origem, ou seja, de qual grupo de répteis eles descenderam. Três são as hipóteses principais. Na primeira, os pterossauros estariam relacionados aos Prolacertiformes – grupo no qual são incluídos os lagartos. De forma supersimplificada, os pterossauros seriam descendentes de pequenos répteis distantemente relacionados aos lagartos que aprenderam a voar. Uma segunda hipótese defende que os pterossauros seriam um dos primeiros grupos de arcossauros – que incluem desde dinossauros (e aves) até crocodilomorfos, além de outras formas extintas. A terceira hipótese – mais aceita atualmente – sugere que os pterossauros estão proximamente relacionados aos dinossauromorfos (que incluem os dinossauros e os protodinos), dentro de um agrupamento chamado Ornithodira.
Um novo trabalho, recentemente publicado na Nature pelo paleontólogo argentino Martín Ezcurra (Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia, em Buenos Aires) e colegas, confirma a relação próxima entre os répteis alados e os dinossauromorfos. Mais especificamente, o estudo aponta que esses répteis voadores estariam mais proximamente relacionados aos lagerpetídeos.
Até aí, não há nada de muito novo, já que essa ideia circula há algum tempo entre os pesquisadores. No entanto, o aspecto mais interessante do estudo é a surpreendente remoção dos lagerpetídeos do grupo Dinossauromorpha para agrupá-los junto com os pterossauros (Pterosauromorpha). Ou seja, segundo os autores, lagerpetídeos não seriam mais precursores de dinossauros, mas sim dos répteis alados.
Os lagerpetídeos foram encontrados inicialmente na Argentina e, depois, nos Estados Unidos, em Madagascar e, mais recentemente, no Brasil. São animais relativamente pequenos (cerca de 1 m de comprimento) e com esqueleto bem frágil, conhecidos geralmente por partes limitadas do esqueleto. Para muitos, são formas bípedes, que coexistiram com os primeiros dinossauros.
Recentemente, exemplares mais completos, incluindo restos de mandíbulas, foram encontrados em diferentes regiões, e as similaridades com os pterossauros, segundo Ezcurra e colegas, foram ficando mais aparentes. Entre elas, estão detalhes do crânio e da dentição, formada por dentes pequenos e não serrilhados. No lagerpetídeo Ixalerpeton, a mandíbula, que termina em ponta, é desprovida de dentes, característica muito similar a algumas formas de pterossauros triássicos, como Raeticodactylus, que viveu há cerca de 210 milhões de anos. E pelos menos alguns lagerpetídeos tinham dentes com várias pontas (cúspides), feição comum nos pterossauros mais antigos.
Os autores também fizeram imagens de tomografia computadorizada de restos cranianos desses animais e descobriram detalhes de seu ouvido interno, que, segundo eles, seriam exclusivos de lagerpetídeos e de pterossauros.
Apesar de trazer novas informações, o trabalho liderado por Ezcurra não resolve o problema da origem dos pterossauros. Basta um olhar superficial para verificar que o esqueleto dos lagerpetídeos está ainda muito longe da anatomia dos pterossauros, não exibindo nenhuma feição mais clara que indique uma adaptação para o voo. E esse aspecto faz toda a diferença quando se pensa em um precursor para os pterossauros. Espera-se que esse animal tenha, por exemplo, algum alongamento nos ossos dos membros anteriores. Poderia ser no antebraço (ulna e rádio) ou na região do metacarpo IV e do dígito IV, que, nos pterossauros, sustenta uma membrana alar. Também seria interessante uma comparação detalhada da histologia dos ossos, para ver se os ossos dos lagerpetídeos seriam finos como os dos pterossauros, ou se contariam com feições pneumáticas – que dão leveza aos ossos, um importante pré-requisito para a atividade de voo.
Um ponto que gosto de destacar no estudo é o financiamento. Alguns pesquisadores brasileiros envolvidos receberam expressivos recursos da Fapesp ao longo dos anos, muito mais do que qualquer outro grupo de pesquisa nacional. Esse é um grande diferencial, pois possibilita não apenas a aquisição de equipamentos de custo mais alto, mas também uma maior internacionalização da ciência, com o convite de bons pesquisadores do exterior para colaborações. Trata-se de outro bom exemplo de que, quando se investe de forma substancial e continuada em pesquisa, os resultados aparecem.
Alexander W. A. Kellner
Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Academia Brasileira de Ciências
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